domingo, 31 de janeiro de 2010

A jornada

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Não seria fácil encontrar um caminho certo pelo qual seguir, mas ele estava disposto a tentar. Chovia a mais de três dias sem parar. O vento era forte e cortante. Seus amigos já não acreditavam se ele seria capaz de chegar até o fim e voltar com vida. Apoiando o cajado sobre a terra, se esforçava ao máximo para manter os olhos abertos e continuar, aos poucos, seguindo a estrada.

Seus pés e mãos estavam cheio de calos e, das feridas, escorriam pequenas gotas de sangue que ardiam a cada nova queda. As pedras no caminho dificultavam cada vez mais o seu percurso e a areia que arranhava seus rosto com as rajadas do vento transformavam seu medo em algo ainda mais perverso.

Por que tanto esforço e dedicação? A crença e a necessidade de alcançar o perdão verdadeiro o motivavam, e muito. A neblina que se e erguia a sua volta, não lhe permitia enxergar mais de três palmos a sua frente. A fome e a sede eram tão grandes que já não incomodavam mais. Os pensamentos lhe convidavam sempre a desistir. Nem sempre apenas força de vontade e amor são suficientes para alguns.

Após muita caminhar, finalmente conseguiu perceber algo novo durante o infernal trajeto.  Uma gigantesca sombra começava a surgir a sua frente. Será que depois de tanto lutar, havia chegado ao seu desejado destino? A neblina pouco a pouco foi cessando e a chuva intensa pela primeira vez parou de cair. Foi o primeiro sorriso que expressou durante toda a jornada. Após alguns metros o sol voltou a brilhar e ele se deparou com uma enorme mansão que dominava a última parte de terra habitável daquela monstruosa colina. A beira do penhasco, um mundo novo se abriu e a felicidade voltou a reinar em seu peito.

Aproximou-se lentamente da imensa construção. Enquanto caminhava, retirou com muito cuidado uma carta que estava dobrada ao meio dentro se seu bolso direito da, agora esfarrapada, calça jeans. Ante a porta, encontrava-se uma bela cesta de frutas com um papel indicando seu nome na extremidade. Ajoelho-se e segurou nas mão a maçã mais vermelha e bonita do cesto. Deu apenas uma mordida e arremessou a fruta para longe. Colocou com cuidado a carta na caixa do correio e virou-se para o horizonte. Voltou lentamente a caminhar e se aproximou da beira da montanha. Podia sentir a brisa sobre cada parte do seu corpo. Olhou para baixo, mas não era possível enxergar onde acabava a montanha e o mundo recomeçava. Quando parou um segundo para observar o céu, uma estrela cadente cortou o horizonte ao meio. Era a primeira vez que via uma. Deu um grande suspiro e mergulhou para o infinito. Sua missão estava cumprida.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Tal Final de Ano

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Com o fim do ano próximo e a falsidade rolando solta por aí, desejava novos horizontes, um ar diferente do que eu ando acostumado a respirar. Não sei se é uma opinião pessoal, mas alguns hão de concordar que o fim do ano as pessoas enlouquecem um pouco. Principalmente as que são reprimidas em seu cotidiano e exageram um pouco achando que “a hora é propícia”.

Enfim, peguei minha mala e minha velha barraca para viajar longe da grande metrópole. Acompanhado de alguns grandes amigos segui para uma ilha, onde a população, em sua grande maioria, se encontrava em um vilarejo de simples pescadores. Logo na balsa tive uma pequena impressão de conhecer alguns rostos de algum lugar qualquer. Fiquei só na impressão mesmo, para mim, naquele momento, não queria nenhuma ligação com a cidade.

Sendo assim o primeiro dia foi normal. Conhecendo os locais, conhecendo os nativos, regado a muita bebedeira e conversa. Minha boa fé estava em êxtase só que minha consciência negativa sussurrava, bem baixinho no meu ouvindo, dizendo que estava normal demais. Longe de ser um cara negativo, mas como posso dizer, eu tenho uma grande tendência para atrair louco. E meu instinto, quase, nunca erra.

Segundo dia, logo ao cair da noite, resolvemos pegar a balsa para aproveitar uma festa que acontecia na cidade próxima da ilha. Pisei em terra firme e dei de cara com um amontoado de gente. “Merda” foi o primeiro pensamento que tomou minha cabeça. Pessoas, tumulto, muvuca, povinho ou qualquer substantivo que possa explicar um grande aglomerado de pessoas. Mesmo que você fuja, eles sempre estarão atrás de você. Morro de medo de pessoas.Aproveitei a festa como um ser humano decente, sem maldade no coração e sem espaço para críticas (?!). Então havia chego ao fim, e sem nenhuma novidade eu já me encontrava embriagado. A pergunta que animou minha noite foi – “Você ta bêbado?

Einstein dava pulos no caixão invejando meu cabelo naquele momento, com o óculos torto a um ângulo de 45º graus e com um sorriso de meia boca tentava acender um cigarro molhado. Então lhe respondi com toda sobriedade: - “Não!”.

Arrotei e encostei no coqueiro. Nem deu tempo de acender o cigarro, o sono foi mais rápido.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Por você, por mim e por nós

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Poderia ter feito tanto
Por você
Por mim
Por nós

Poderia ter dito “Eu te amo”
Poderia ter escrito seu nome nos livros, folhas e cadernos
Poderia ter lhe enviado flores e dado presentes
Poderia ter escrito músicas, textos e poemas
Apenas para lembrar-me que você estava sempre por perto
Mas não o fiz

Poderia ter lhe telefonado durante as noites em claro
Poderia ter me preocupado um pouco mais
Poderia ter lhe contado o quanto sentia sua falta
Poderia ter lhe escrito cartas de amor
Poderia ter lhe convidado para ver o céu ao meu lado
Para me acompanhar e sentir a leve brisa da manhã
E não me importei em fazê-lo

Poderia ter mostrado mais o meu carinho
Poderia ter observado e apreciado cada detalhe
Mesmo que não fizesse idéia do que estivesse falando ou fazendo
Poderia ter lhe visto dormir
Poderia ter lhe feito sorrir
Deveria ter lhe feito ver o quão importante era caminhar ao seu lado

Poderia ter lhe dado a mão
Poderia ter lhe deixado adormecer sobre o meu colo todas as noites
Poderia ter dado muito mais atenção
Poderia ter dividido muito mais
Poderia ter me dedicado mais um pouco

Poderia ter aproveitado o tempo que deixei de vê-la
Por compromissos fúteis, por falta de vontade
Poderia ter me importado com tudo que a envolvia
Poderia ter lhe levado há lugares que eram importantes para você
Poderia ter tido a curiosidade para encontrar a simplicidade que a fazia feliz
Para observá-la enquanto se arrumava em frente ao espelho
Para admirá-la enquanto sorria, chorava ou fingia
Ficou claro que poderia ter lhe apoiado nas situações difíceis
Mas não consegui perceber o que era realmente importante naquele momento

Poderia ter feito dos seus planos também os meus
Poderia ter tido coragem para dizer-lhe a verdade
Poderia ter lhe recordado que ninguém poderia substituí-la
Não importasse a beleza, carisma ou vontade que tivesse
Poderia ter me esforçado

Poderia ter lutado ao seu lado
Poderia ter lhe deixado sentir minhas verdadeiras emoções
Poderia ter lhe mostrado que, com você, o brilho do céu era diferente
O calor do sol mais vivo
E que o mundo, finalmente, se mostrava um lugar melhor

Poderia ter feito tanto
Por você
Por mim
Por nós

As lágrimas caíram por muito tempo
E você, um dia, se foi

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Insana consciência

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Sua cabeça estava inundada com idéias sem nenhum propósito e o corpo extremamente exausto com o excesso de autoflagelações. O cabelo comprido e imundo jogado sobre as costas, os olhos verdes sem o mínimo de sentimentos e a barba por fazer há dias lhe deixavam com um aspecto sombrio e, ao mesmo tempo, comovente. Submerso em um mundo imaginário, não tinha mais tempo a perder com as futilidades de uma vida normal.

Já não se lembrava mais de seu próprio nome, afinal já fazia alguns anos que ninguém o chamava. Emoções? Talvez não houvesse sobrado nenhuma além do vício e desespero. O amor não fala tão alto assim quando o peso das pedras de crack em seu bolso chega a ser mais importante do que sua própria vida.

Sentado apoiando as costas sobre a porta de entrada de seu apartamento, não lhe passou, um momento sequer, pela cabeça como um ser humano é capaz de viver com apenas um colchão e um par de velas e fósforos ao lado das seringas e colheres espalhadas pelo assoalho em uma propriedade que já fora rica, mobiliada e cheia de amor e felicidade. Talvez se ainda fosse uma pessoa normal tivesse tais pensamentos, mas a realidade era algo distante em sua vida há um bom tempo.

Vestia apenas uma bermuda. Banho era um luxo que geralmente surgia quando o temporal inundava as ruas enquanto travava uma busca contínua para se entorpecer um pouco mais. Seu estado mental não era dos melhores e analisando um pouco seu dia a dia podíamos observá-lo conversando e proferindo palavras sem sentindo:

– Um pouco mais, por favor! Seja cuidadoso para não me interromper enquanto aprecio esta obra... Crowe, Hendrix, Gallaghers, Robinsons, Bukowski, Kurbic, Warhol, London, Zemeckis... Kerouac, Jackson, Humble Pie, Di Giorgio, Fender, Brown... 2001, Almost Famous, Amorica... Só um segundo Glória, já está quase no fim!

Este ritual atípico continuava por horas ou até dias. Como tudo chegou a esse ponto? Nem mesmo eu saberia dizer, mas não é preciso pensar muito para descobrir como tudo iria terminar. A agulha estava fincada em seu braço direito, porém a dose ainda não havia sido injetada. Essa parecia um pouco maior e muito mais forte do que todas as anteriores. Após diversas overdoses e de ter tido oportunidade para enfrentar e debochar da morte inúmeras vezes, era fácil deduzir que, depois de 4 anos jogado no limbo, esta seria a viagem final.

Apesar de saber exatamente o que fazer e qual resultado tudo teria, ficou imóvel algumas horas até criar coragem para aplicar a dose que lhe libertaria. As lagrimas escorriam por seus olhos e molhavam seu rosto acabado e envelhecido enquanto pressionava a agulha e injetava seu “passaporte para a felicidade”. Uma bomba de adrenalina inundou seu peito, sua cabeça foi tomada por uma dor assombrosa e a luz da vida se apagou em um último flash. Sua mão caiu sobre o chão e ele dormiu para nunca mais acordar.

A polícia local o encontrou somente três semanas depois. Só se deram conta do que havia acontecido, porque o cheiro da morte já empesteava todo o prédio. A seringa ainda estava em seu braço. Procuraram por sua família e pesquisaram sobre seu passado, porém nada foi encontrado. Sem nome e sem vida, foi enterrado como mais um indigente destruído pelo caos de uma grande metrópole. Ninguém, além de nós, o “conhecia tão bem”, e nenhuma falta ao mundo ele realmente faria, mas era possível perceber que, agora, finalmente, ele havia se tornado um homem livre.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Um Passo de Cada Vez

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Meus pés vagam pela noite adentro


Piso no asfalto, na terra, na água, no cimento


O pé que apóia minha alma e guia meu espírito


Talvez eu tenha uma direção, ou ande mesmo sem destino


Aqueles que, no cotidiano, batalham sol a sol


São os mesmos que descansam embaixo do lençol


Pé do trabalho nunca é tão rápido quanto a do cobrador


São eles que estão sempre mais perto da lágrima, é o que enxergar mais fácil a dor


Tem aquele pé da música, também é o pé da impaciência


O pé da felicidade é o pé da certeza


O que recebeu pequenas mordidas de uma carinhosa mãe


Hoje e nunca espera sentado à morte de um amanhã


O apaixonado corre atrás de um grande amor


Sem medo de amar, sabe que o acompanha seja onde for


No país do futebol e do samba, habilidade não falta nos pés


Seguimos sorrindo e dançando, e nas redes depositamos nossa fé


Enfim, os observadores são os que se encontram parados


Que lêem os versos de um poeta que segue a vida em pequenos passos




segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O último adeus

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Sentado com o pequeno pinscher em seu colo, tentava se recuperar da incrível maratona de exageros e boemia que sua vida, agora, se tornava. Algumas vezes se perguntava em que momento tudo havia mudado tanto e em que parte de sua vida havia deixado sua inocência para trás. Tinha certeza que era tudo um ciclo que não podia mais ser evitado e que precisava ser extremamente controlado para que todos os seus objetivos não se tornassem um fracasso eminente dali para frente. A cada dia se dava conta que tinha menos tempo a perder.

Quando se levantou, ajeitou seu rebelde cabelo de fios loiros e vestiu a camiseta de sua banda favorita. Os jeans já estavam a postos e a chave do carro apenas aguardando ao lado do abajur. Deu a partida e seguiu sem rumo. Os olhos claros refletiam sua sensível instabilidade diante do retrovisor. Não havia um veículo na estrada e nenhuma alma viva pelos arredores.

Após vários quilômetros percorridos através do breu, percebeu um brilho intenso a sua frente e que se posicionava bem no meio da pista. Foi diminuindo a velocidade ao mesmo tempo em que abaixava o volume do rádio. Aproximou- se da luz e estacionou. Não era possível perceber o que estava acontecendo. O brilho exagerado formava uma esfera gigantesca de luz que, por dentro, guardava a silhueta de uma pessoa. Estava incerto se deveria descer e se aproximar. Sentia um calafrio intenso. O pressentimento que algo terrível aconteceria era enorme, mas a curiosidade tomava conta de seus pensamentos. Depois de muito analisar, uma voz suave e muito convidativa ecoou em seus pensamentos:

“Aproxime-se. Não seja covarde! O presente mais importante de toda a sua vida está a sua espera. É necessário que dê apenas um passo em direção a luz. Vamos, algo extremamente especial está prestes a acontecer. Os prazeres mais intensos finalmente chegarão até você. Entre... Seja muito bem vindo... Entre...”

O medo lhe dominava por completo, mas mesmo assim decidiu avançar. Desceu do carro e lentamente chegou cada vez mais perto. A luz era fortíssima e, caso demorasse um pouco mais, percebeu que logo ficaria cego. Deu um longo suspiro e finalmente entrou. O primeiro passo dentro da incrível luz mudou todos os seus conceitos sobre o mundo que, até aquele momento, conhecia.

Estava em um quarto imenso que possuía apenas dois móveis: uma cama de casal gigantesca igual a de reis e rainhas dos séculos passados e um piano de calda preto a sua direita. A gravidade parecia ser diferente, seus passos muito mais leves e as luzes incrivelmente vivas e fortes. Uma varanda se posicionava em frente à cama e deixava a mostra um incrível mar rosado com a praia mais bela que já pudera ver. O som das ondas parecia uma canção e pelo céu completamente azul, choviam estrelas cadentes.

Quando parou de apreciar o ambiente, percebeu que uma linda mulher o esperava deitada sobre a cama. Era linda. Possivelmente a mulher mais linda que já havia visto em toda sua vida. Olhos azuis, cabelos pretos e lisos até as costas. Uma pele morena e leve como a seda, lábios suaves e uma voz melodiosa que poderia acalmar o mais raivoso animal. Ela o media enquanto ele se perdia na hipnose que sua anfitriã o havia colocado. Havia se apaixonado intensamente em uma fração de segundos e pela primeira vez conseguiu acreditar que existia o amor a primeira vista. Ela estava nua e o chamou para que se deitasse com ela na cama. O medo não existia mais e ele apenas se aproximou e deitou-se ao seu lado. Ela o abraçou intensamente e sussurrou ao seu ouvido.

– Saiba que a partir de agora não existe mais volta, mas não se preocupe pois todos os seus esforços serão recompensados essa noite. Não tenha medo, porque eu realmente te amo!

Ele não podia responder. Apenas ouvia e amava intensamente. Ela começou a despi-lo e lhe deu o beijo mais gracioso que já havia recebido. Fizeram amor como em um conto de fadas. A cada beijo, gesto, carinho e abraço sentia- se cada vez mais completo. Jamais havia sido contemplado com algo tão intenso e pela primeira vez o verdadeiro amor inundava seu coração de felicidade. Estava em êxtase e, por pelo menos uma única vez, apreciou um verdadeiro prazer pela vida. Finalmente tudo valia a pena.

Ao amanhecer, abriu os olhos e se viu imóvel com os braços e pernas amarrados em cima de uma cruz. Sua linda amada estava sentada ao piano e percebeu que ele havia acordado. Deu-lhe o sorriso mais lindo que uma garota poderia ter e começou a tocar enquanto lagrimas escorriam por seus olhos. Três garotas invadiram o quarto pela varanda. Caíram do céu e se aproximaram da cama. Eram belíssimas, mas, agora, todas eram ruivas e de olhos verdes. Pareciam gêmeas. Nuas e com estacas e martelos nas mãos foram em direção as pontas da cruz. O pavor tomou conta de seu interior e percebeu que por mais que se esforçasse, era impossível mover-se ou gritar. Estava paralisado. As estacas foram colocadas em suas mãos e pés. Ouviu um som ensurdecedor e a dor dominou todos os seus sentidos. A única coisa que podia fazer além de sofrer, era chorar. Após cinco marteladas, foi içado ao ar por uma força invisível. Crucificado, o colocaram na imensa parede em frente à cama. O sangue escorria por seus membros. As garotas saíram pela mesma varanda pela qual haviam chegado. O piano cessou e sua inesquecível anfitriã se aproximou. Deu-lhe um último beijo e desapareceu, deixando-o solitário em um mundo incrível que não conhecia.

O sangue e a dor continuaram por mais alguns dias em seu eterno sofrimento. A dor pelo abandono era ainda maior do que os ferimentos mortais ao qual estava exposto. Pôde refletir por muito tempo e chorar por mais um amor perdido. No quinto dia seu coração, finalmente, parou de bater. Ele não teve chance de, nem mesmo, dizer-lhe o último adeus.