segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Rock and roll suicide

.

Fazia tempo que não chovia tanto. Há 45 dias a água caía sem trégua e vários pontos da cidade estavam alagados, infestados pelo caos e sem nenhum sinal de energia elétrica. O relógio batia 4:15 da madrugada quando os gritos do choro foram ouvidos. Em uma noite conturbada de uma grande metrópole, nascia uma das maiores estrelas que o país teve a chance de ver.

Era loiro, saudável, com olhos castanhos claros e muito, mas muito, esperto para uma criança que acabara de nascer. O tempo provaria que algo notável para o mundo havia acontecido aquele dia. Ele cresceu como uma criança feliz e travessa, rodeado de amigos e com idéias fascinantes que o tornavam líder em todas as atividades e brincadeiras que fazia questão de exercer. Não que tivesse real intenção em sê-lo, mas o posto lhe agradava o suficiente para permanecer sempre a seu cargo e continuo a comandá-lo por todos os círculos de amizade que freqüentava, também nas escolas e em qualquer lugar no qual estivesse presente.

Seus primeiros dotes musicais foram postos a prova quando ganhou um violão que pertencia a um falecido tio. Com alguns dias de prática, descobriu, sem nunca ter encostado em um instrumento antes, que a música fazia parte, agora, de sua vida e nunca mais o deixaria sozinho. Passou a escutar tudo o que lhe agradava e o fascinante mundo do rock and roll penetrou em seus interesses como um caminho seguro, misterioso, descontrolado e obsessivo pelo qual não podia mais se esquivar.

Com os anos passou a estudar com afinco guitarra e piano e logo, logo já estava compondo suas primeiras canções. Era um aficionado por música, mas as bandas nacionais nunca conseguiram lhe tocar muito. Cazuza e Secos e Molhados eram grandes exceções que realmente o inspiravam, mas possuía um ódio mortal por Renato Russo e sua Legião Urbana. Simplesmente não suportava ícones que atravessavam a fronteira das notas e tentavam de alguma forma mudar o mundo com letras “cabeças” e discursos inflamados. Seus fãs, algumas vezes, também eram insuportáveis. O que realmente lhe interessava era aproveitar a diversão, felicidade e sucesso que tudo aquilo poderia ou acabava por trazer.

Nunca fora o mais belo e esbelto nas classes onde estudou ou nas bandas que começou a tocar, mas tinha uma aura mágica que atraía, sempre, a libido feminina. Nunca se interessou em procurar um verdadeiro amor, mas isso nunca o impediu de estar frequentemente acompanhado. Era um romântico nato e suas músicas faziam qualquer mulher se apaixonar, mesmo que por alguns pequenos instantes. Foi também no final da adolescência que passou a experimentar diferentes tipos de drogas, legais e ilegais, e mergulhou de cabeça no velho jargão “sexo, drogas e rock ‘n’roll” que seus ídolos faziam questão em seguir. Essa nova descoberta passou a acompanhá-lo sempre a partir de então. As sensações diferentes e distorcidas da realidade lhe agradaram desde o começo e a obsessão por novas experiências o motivaram a viajar por este caminho cada vez mais.

Suas músicas começavam a se destacar e seu nome passou ser conhecido, não porque se esforçava para que isso acontecesse, mas pela sinceridade com que retrava aquilo que pensava, sentia ou procurava. Seu talento musical foi essencial para criar um leque de canções que ficariam guardados na história. Depois do primeiro contrato, uma bomba destruiu o cenário musical brasileiro e apenas um nome passou a guiar o público. A massa gritava, clamava, comprava e usufruía tudo a seu respeito. O resto das bandas e artistas aproveitaram a cratera criada e o novo cenário que surgia para seguirem o seu encalço. Isso fez com que grandes nomes surgissem e selasse de vez o novo movimento.

No segundo álbum, as festas e orgias eram cada vez maiores e o uso freqüente de entorpecentes começou a dominar sua vida. Nessa época, se envolveu com os tipos mais estranhos e incomuns de pessoas que rodeavam o mainstream.  Ficava cada vez mais cansado e incontrolável, mas isso não atrapalhava nem um pouco sua criatividade artística. Assim, nesse mundo impensável para as pessoas normais como nós, conheceu a estilista mais famosa do país. Era tão nova quanto ele e bela como jamais havia visto. Tão linda que mesmo que juntasse os melhores atributos de todas as mulheres que já havia dormido, e não eram poucas, não chegaria a seus pés. Ela também tinha uma queda fantástica por festas e diversão incontrolável.  As drogas eram uma grande companheira em comum, porém ela podia entregar-se ocasionalmente e voltar toda vez que quisesse, ou precisasse, à realidade. Passaram a viver um romance conturbando e perturbador. Os dois se amaram como nenhum outro casal em todo o mundo e pela primeira vez nosso protagonista podia sentir a indescritível felicidade de um amor sincero e verdadeiro. Suas obras posteriores ganharam um novo brilho e, claro, mais sucesso, dinheiro, drogas e diversão acompanharam a avalanche.

Mas sua vida não fora sempre felicidade e satisfação. O imenso sucesso, o gigantesco orgulho e o incontestável instinto de liderança começaram a afetar suas relações pessoais e, por mais que se esforçasse, não conseguia mudar, pois, agora, o mundo estava em suas mãos. Brigou com tudo e com todos. A depressão se tornou uma visita constante e as drogas, que nunca o deixaram, mostraram-se seu único amigo. Sua vida de diversão e loucura continuou, mesmo que estivesse sozinho. A autodestruição era uma estrada que não se importava nem um pouco em seguir e que esteve presente em todos os momentos de sua vida, mas que somente agora se mostrava visível.

Sua amada não podia agüentar todo esse ódio em um mundo caótico e suicida.  Viver lado a lado com tamanho sofrimento, tornou-se insuportável. Ela fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar impedi-lo, mas o seu ego monstruoso e, principalmente, o gigantesco amor próprio eram muito maiores do que qualquer amor que já tivesse sentido. O seu orgulho e egoísmo o fizeram deixar para trás a única mulher que realmente amou. Era a única pessoa que realmente se importava com tudo o que acontecia ao seu redor e seus conselhos sempre foram sinceros e verdadeiros. Ele tinha clara consciência disso e que, apesar dos grandes empecilhos, ela o amava a mais que tudo nesse mundo. Ele sabia, mas simplesmente não podia mais conviver assim e simplesmente abandonar o que pensava ser sua verdadeira “felicidade”.

Em meio a uma chuva de lágrimas e sofrimento, compôs mais um disco que, novamente, foi aclamado por público e crítica. Porém a essa altura nada mais importava. Nem o sucesso e o glamour de um grande astro. Não tinha mais amigos. Não tinha condições de viver ao lado de seu grande amor. Não tinha absolutamente mais nada nem ninguém. E mesmo que tivesse mais dinheiro do que pudesse gastar, nada mais o fazia feliz. Mergulhou, então, em um mundo privado cheio de solidão e infelicidade que apenas ele poderia explicar. Suas aparições em públicos se tornaram raras e, pela primeira vez em toda a sua vida, deixou de escrever e tocar. Algo estava muito e errado e finalmente ele percebia isso, mas talvez já fosse tarde demais ou simplesmente não se importava se a essa altura chegaria a voltar ao mundo real. Ficou extremamente recluso. A cada nova overdose ou crise psicótica que era relatada pela mídia e declarada pelos diversos hospitais pelo qual passou a freqüentar, ficava claro que logo, logo uma tragédia aconteceria.

Quando o mundo noticiou sua terrível morte, enclausurado, sozinho e abandonado em sua banheira a mais de três dias, o país chorou em uníssono. Ninguém, nem mesmo ele, poderia imaginar o quanto era idolatrado e amado pelas pessoas. Muitas nem mesmo acompanhavam o seu trabalho, mas o seu carisma e todas as histórias que o perseguiam, o tornavam um ser mítico e intocável. O enterro foi televisionado e diversos artistas e pessoas que o conheceram verdadeiramente prestaram suas homenagens. O Brasil havia perdido um eterno ícone e uma mente brilhante, mas ninguém podia e queria carregar toda essa culpa. Apenas o seu imenso ego e o sucesso incontrolável justificavam que a sua mente suicida e a simpatia pela autodestruição o levassem a tal, porém os motivos não importavam mais.

Hoje, e sempre, fica claro que ele jamais será esquecido. A partir de agora só nos resta olhar para o céu e perceber que uma nova estrela passou a brilhar.

4 comentários:

Pri Alcantara disse...

Damn good, Cabeludo!

Ana Lins disse...

Damn good, alright.

Angel disse...

Thiago, que texto incrível! Com certeza, nunca li nada igual...

Abraços!

Leonardo Torres disse...

porra legal o blog vou add
abraco