quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma pequena lembrança

.

O sol continuava a brilhar intensamente, mas mesmo assim o frio ainda congelava suas mãos. Havia esquecido suas luvas em cima da penteadeira. Algo nada sábio a fazer em pleno inverno. Andava a pé desde que seu querido carro tinha sido roubado. Haviam tentado três vezes, na quarta conseguiram furtá-lo. Era uma boa média para um Gol.

Aproveitava o tempo vago para realizar suas tarefas casuais. Sua sorte era grande por habitar um bairro no qual era possível sobreviver sem utilizar o “querido” transporte público a todo o momento. Bancos, supermercados, padarias. Tudo a apenas algumas quadras de distância.

Assim que havia terminado suas obrigações, parou por um momento em frente ao prédio de uma das garotas mais belas que já havia conhecido. Ela possuía cabelos negros e lisos até o meio das costas. A pele clara como a neve. Olhos castanhos e inesquecíveis. O sorriso? Este era, com toda a certeza, um dos sorrisos mais lindos e cativantes que já tivera a oportunidade de ver. Para sua sorte, teve a chance de apreciá-lo diversas vezes. Não é nenhuma novidade dizer que muitos acabaram se apaixonando enquanto trocaram, por acaso, algumas palavras ou gentilezas.

Carregava um bilhete nas mãos para entregá-la. Não pessoalmente, pois sabia que àquela hora ela não estaria presente, e no momento que estivesse, ele não teria tempo de fazê-lo. Tudo bem. O porteiro faria um excelente intermédio entre os dois. Só havia um único problema: por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar qual era o edifício que ela morava. Havia lhe dado carona até ali em algumas oportunidades. Era uma ótima companhia e recordava com carinho que tinham passado bons momentos juntos. Dividiam alguns valores em comum e se davam realmente bem.  Haviam perdido contato em certo momento, provavelmente por algum motivo bobo ou inexistente, mas isso nunca significou que havia deixado de admirá-la.

Estava em dúvida entre dois prédios. Claro que erraria na primeira tentativa. Escolheu o condomínio da esquerda e disse ao porteiro que precisava entregar uma encomenda para um morador. A porta se abriu. Graças aos céus não era nenhum assaltante. Obviamente ele não apresentava tais características, mas nos dias de hoje como podemos prever? Havia sido fácil demais. Mas conversando, deu-se conta que estava no lugar errado. “Que tremendo idiota”, deve ter pensado o porteiro. “Vem fazer uma entrega e sequer sabe o endereço”. Deu-lhe um sorriso sem graça e abriu o portão. Foi obrigado a sair. Ainda com o bilhete nas mãos, dirigiu-se até o prédio ao lado.

Na segunda tentativa, nutria mais esperança, afinal se não fosse ali algo andava muito errado com seu senso de direção ou com sua memória fotográfica. No pior dos casos, com suas recordações vividas, pois passar por tudo aquilo sem que nada tivesse realmente existido lhe deixaria, com certeza, paranóico. Dessa vez uma cordialidade incomum chegou pela portaria. Ela realmente morava ali. Um senhor muito educado disse que lhe entregaria a pequena carta assim que possível. Segurou-a com delicadeza nas mãos, agradeceu-lhe e se despediu.

Quando chegou até a rua, colocou novamente os fones no ouvido. Girl From A Pawnshop voltou a tocar em um volume considerável. Olhou atentamente para os lados e atravessou. Com o andar calmo e tranquilo, decidiu retornar para casa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ausência


Sem mais despedidas
Atrasos inconvenientes
Noites mal dormidas
Exageros imperturbáveis
Tristezas inconsoláveis

Sem mais chances inúteis para tentar
Para voltar atrás
Para insistir
Para lembrar
Para continuar vivendo as margens de um rio de lágrimas

Promessas não compridas
Mentiras verdadeiras
Verdades mal contadas
Sorrisos interpretados
Amores falsos criados pelo conformismo

Sacrifícios irrelevantes
Sentimentos inventados
Angústias omitidas
Exaustos pela mesma companhia
Uma incrível solidão a dois

Levanto-me com cuidado
Faço as malas
Dou-lhe um último beijo
Carinhosamente
Enquanto você ainda dorme

Atravesso a porta
Fecho os olhos
E digo adeus

Voltaremos a nos ver algum dia?
Regularmente nunca mais

terça-feira, 13 de julho de 2010

Noites de verão

.

Dor de cabeça, sede e vestígios de uma noite cheia de excessos espalhados pelo chão. Não havia segredo algum pelo fato de estar me sentindo um lixo: a caipirinha custava apenas cinco reais! O enjôo durou metade do dia e apenas uma porção extremamente gordurosa de camarão fez com que me sentisse melhor no final da tarde.

Não tinha levado calças nem mesmo tênis para a viagem. Entrei no bar de havaianas e bermuda. A camiseta pólo melhorava um pouco meu estigma. O local estava completamente cheio e já me lembrava vagamente de, pelo menos, metade das pessoas que estavam ali na noite anterior. Talvez aquele fosse o lugar mais apropriado da cidade naquele horário para se divertir.

Primeiramente fui até o bar, claro. Não tenho certeza de quantos copos tomei exatamente, mas me recordo de já estar em um nível bastante agradável. Estar solteiro pode, algumas vezes, lhe trazer liberdades exageradas.  Voltei a conversar com uma garota que havia conhecido na noite anterior. Com uma insistência mínima, ganhei um beijo. Despedi-me com um sorriso e fui até o bar mais uma vez.

Aquela altura a sobriedade já havia me abandonado por completo. Estávamos em um grupo de três conversando em uma roda agradável quando uma garota passou ao lado e esbarrou em mim. Voltei-me para ela e, certamente, dei alguma cantada idiota que normalmente nunca daria certo. Ela me ignorou e continuou andando, pelo menos foi o que eu havia pensado. Virei-me novamente para a roda. Assim que me dei conta, percebi que ela estava parada ao meu lado. A introduzi na roda e voltamos a conversar. Gostaria muito de oferecer uma descrição razoável de como ela era, mas infelizmente, por mais que me esforce, não consigo resgatar nenhuma imagem válida.

Não sei sobre o que conversávamos, porém acredito que estava tentando conquistá-la com alguma história de bêbado pouco convincente.  Meus amigos não tinham abeto a boca para dizer uma única palavra até que um deles puxou o celular do bolso e escreveu no espaço de mensagens:

“Escolha um de nós três e dê um beijo nele.”

Não entendi muito bem o que havia acontecido, mas ela se aproximou e lhe deu um beijo sem que ele lhe dissesse uma única frase de consolação. Não sei o que passou por meus pensamentos, mas pedi que ela também me agraciasse com tal gesto. No começo ela hesitou, mas simplesmente também me beijou. A lei do mínimo esforço voltava a imperar. Aproveitei a deixa e pedi que ela beijasse o amigo que restava . Ela, claro, o fez. Fico imaginando o que meus avós diriam se tivessem a chance de observar uma cena inusitada como esta.  Meus netos possivelmente irão aproveitar a vida de uma forma incrível.

Assim que paguei a conta, meu amigo – aquele que conquista mulheres sem dirigir-lhes a palavra – disse-me para sairmos sem pagar. Apenas me convenceu a voltar até o caixa e dizer que eu não havia recebido o comprovante. Um plano alcoólatra nunca havia dado tão certo. Apesar do estado em que me encontrava, acho que fui convincente, pois não deve ser nada fácil acreditar nas palavras de um bêbado. Esperei um pouco ao lado direito do caixa conversando, quando a funcionária se aproximou com o segurança e pediu-lhe que me escoltasse até a saída. Meu amigo percebeu o que estava acontecendo e se aproximou. Tirei cuidadosamente o comprovante do bolso e lhe passei com a mão direita sem que ninguém percebesse. Sai e esperei que me encontrassem la fora.

Estávamos apenas esperando o último companheiro, quando resolvi me aventurar em mais uma empreitada. Era uma morena linda, cabelos lisos até as costas, olhos negros. Estava sozinha apoiada no muro ao lado da saída. Dela, conseguia me lembrar perfeitamente. Aproximei-me e começamos a conversar até que um amigo seu postou-se ao nosso lado e me fez um gesto para que eu fosse embora.  Não sei o que pensei exatamente, mas respondi de forma pouco amistosa:

– Por que você está sendo um puta de um babaca?

Não preciso dizer que ele não gostou nem um pouco da forma como me dirigi a sua pessoa. Voltei a conversar com a garota quando ele se aproximou e me empurrou. Ainda estava com as mãos no bolso. Se ele tivesse me acertado um soca na face, não teria sequer percebido. Assim que ele começou a armar a briga, a mesma terminou em menos de trinta segundos. Meus amigos e a turma do “deixa disso” apartaram toda a movimentação. Não houve um soco nem mesmo um copo quebrado, apenas uma ofensa um tanto incomum.

Todos reunidos, voltamos para casa tranquilos e realmente felizes enquanto amanhecia. A noite havia sido muito bem aproveitada e ainda tínhamos pela frente mais dois dias livres no feriado.