terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Dia de fúria

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Você está acordado? Hein? BAM, BAM, BAM! Levante-se! Você precisa ir ao banco. Depois ao supermercado. Aproveite que você está de pé e faça um telefonema para mim, por favor. Desça e dê remédio para o cachorro. Leve sua irmã para a recuperação. Pague as contas. Faça um resgate. Resolva os problemas com os inquilinos. Ligue para a Sabesp. Fale com o seguro. Contrate uma cuidadora de idosos confiável. Vá buscar os exames da sua avó. Vá para a faculdade. Vá consertar o carro. Vá trabalhar. Vá tomar no cú! Viver, algumas vezes, é uma puta encheção de saco.

Mal acordo e já me impõem quarenta e oito tarefas imprescindíveis como se eu não soubesse mais quais são minhas verdadeiras obrigações. Essa chuva de lamentações e ordens antes mesmo que eu tenha tempo de ir ao banheiro, urinar, lavar o rosto e refletir um pouco sobre outro dia que começa. Claro, você fica bem puto! “Você acordou de mau humor hoje, hein?” Para não ter que ofender e hostilizar as pessoas que estão a minha volta, acabo guardando todos os insultos comigo.

Tomo um copo de leite e coloco Be Here Now para tocar. Vou para o banho. O ralo está entupido. A água demora a descer e uma grande poça cheia de água e sabão molha toda a superfície do box e mais um pouco do banheiro. Seco-me, visto as roupas, pego a chave do carro e vou para a garagem. Olho o automóvel e lembro-me que ele está batido. Um prejuízo de R$ 3.000,00. Abro a porta amassada, entro e dou a partida. O dever me chama. Continuo puto!

Chegando a clínica, um gordo simpático me atende muito bem. Faz o seu trabalho e me pede para aguardar. Tento ser paciente e educadamente vou me sentar ao lado do bebedouro. Dez minutos, vinte minutos, vinte e cinco. O gordo retorna.

- Senhor, estamos com um pequeno problema, mas já estou resolvendo seu caso. Logo, logo terei uma resposta. Parece que um dos exames extraviou.
- Extraviou? – A veia do pescoço pulsa bastante visível a olho nu. – E quanto tempo deve demorar?
- Não tenho certeza, senhor.
- Tudo bem! – O pulso ainda pulsa! – Irei resolver algumas coisas e mais tarde passo aqui para pegar.

Não digo adeus nem bom dia, apenas vou-me embora. Parto para o banco. Não há nenhum lugar para estacionar. Deixo o carro em local proibido com o pisca alerta ligado. A fila é grande. Havia me esquecido que era dia de pagamento. Os caixas lotados fazem-me esperar mais uma vez. Aguardo e então uso um caixa eletrônico para pagar as contas e fazer um saque. Água, luz, TV a cabo, plano de saúde, escola, faculdade, clube, internet, gás etc... Meu Deus! Não me lembro de alguma vez terem me enviado algum dinheiro pelo Correios, mas contas, essas sim, não cessam nunca de chegar.

Saio do banco e agradeço aos céus por não ter tomado nenhuma multa. Mais uma hora se foi. Dirijo-me ao supermercado. Está cheio. Paro o carro em frente a cancela. O segurança me olha intrigado e pensa que “mais um babaca bateu o carro e terá de descer do veículo para pegar seu tíquete.” Ele apenas sorri. E eu, como mais um idiota com o carro batido, puxo o freio de mão, abro a porta, saio, pego o tíquete e a cancela se abre. Volto para o carro e estaciono. Procuro por algum carrinho, mas não vejo absolutamente nenhum. Será que havia esquecido que era o dia mundial de fazer compras? Após aguardar alguns minutos, vejo uma funcionária empurrando um carrinho vazio. Tento chamá-la.

– Senhora! – Ela não ouve.
– Senhora, por favor! – Falo um pouco mais alto, mas ela continua a empurrar.
– Minha senhora, por favor, eu preciso desse carrinho! – Mesmo gritando, ela não escuta.
Ela larga o carrinho no compartimento reservado e volta para terminar suas obrigações. Esbravejo:
- PUTA QUE O PARIU!!! – A pequena senhora olha para trás com o rosto assustado. Dessa vez você ouviu, hein? Não diz nada, pensa um pouco e se vai.

Tentei ser educado várias vezes e não adiantou. Tudo bem, admito, eu estava errado. Eram apenas 9h53 da manhã e a idosa trabalhadora já havia ouvido um belo xingamento logo no início do dia. Talvez ela também fosse passar por uma jornada difícil.

Subindo a pequena passarela, avisto um casal. A garota é linda. Eles se beijam, se abraçam e riem. Posso ver em seus olhos. Ela o ama. Sinto uma ponta de inveja e percebo o quanto sou egoísta. Não amava profundamente ninguém há mais de dois anos. Havia dispensado duas lindas mulheres que realmente queriam estar ao meu lado e agora esperava um amor irreconhecível? Nunca estar satisfeito é um dos maiores problemas da consciência humana. Continuei andando e parti para as compras. Namorar por conformismo nunca havia sido uma opção.

Frutas, carnes, congelados, produtos de limpeza, álcool, besteiras. Mais uma hora se foi. Espero na fila para pagar. Está bastante grande. Mais uma quinzena de minutos perdida. Passo o cartão, vou para o carro, guardo as compras e dou a partida. Chego na cancela e mais uma vez o idiota precisa descer do automóvel para liberar a passagem.O segurança novamente sorri. Fico ainda mais puto.

Sigo direto para a clínica. Paro o carro em frente a entrada principal e vou verificar se o exame restante, finalmente, ficou pronto. O gordo imbecil continua lá. Ele e seu sorriso contagiante estampado na face. Olha para os lados, me vê e suspira. Lá vem merda!

- Senhor, conversei com os responsáveis, mas o exame continua em análise. A previsão é que fique pronto por volta das três da tarde. – Olho para o céu. Vejo apenas um teto imundo e respiro. Acho que minha artéria vai explodir.
- Está certo, volto depois. – Não havia cordialidade alguma em minha voz. Eu não tinha esse tempo disponível.

Outra vez vou-me embora. Não digo até logo nem mesmo boa tarde. Entro novamente no veículo e ligo para minha irmã.  Uma voz nunca ouvida antes me dá as boas vindas.

- Alô! Alô – Analiso. É uma versão homossexual do Patolino.
- Chame a minha irmã, por favor! – Estava sério.
- Beleza, peraê! – Concluo que o personagem infantil gay é mais uma grande sátira da vida.
- Alô! – Ela pára e ri um pouco, enquanto faço uma boa piada sobre seu amigo.
- Vá para frente da escola, que daqui a pouco estou por ai para te pegar! Tchau.

Dirijo-me até o colégio. Minha irmã vê o carro passando e se despede de todos. Ela está linda como sempre. Tem apenas quatorze. Mais alguns anos e terei problemas. As mulheres mais bonitas fazem questão de estarem sempre com os homens mais idiotas. É uma regra social que dificilmente é quebrada. Cedo ou tarde ela aprenderia. Lágrimas e revoltas. A porcaria inconfundível da adolescência. Ela entra e voltamos ao lar.

Almoço, pego minhas coisas e vou para o trabalho. Dessa vez o trajeto será percorrido de ônibus. O calor infernal derrete minha alma. Dou o sinal e entro. Está lotado. Nenhum lugar para sentar. Esbarro em muitos e peço desculpa a cada nova curva. Notas do subterrâneo continua guardado na mochila. Ler em pé é um dos novos desafios metropolitanos. Ainda puto!

Chego ao destino. Cumprimento todos e dou um rápido telefona. Preciso ser rápido e partir. Devo entrevistar um homem no vigésimo sétimo andar de um prédio a algumas quadras de distância. Não estou com saco nenhum para descobrir, conhecer e desvendar gente nova. Ossos do ofício, e eu preciso cumpri-los.

Estou suando. Continuo a correr. Apolo ri da minha cara. Entro e pego o elevador. Subo, penso, reflito, viajo. O elevador continua a subir. Saio, agradeço a ascensorista e apresento-me ao entrevistado. Conversamos. Faço anotações. Pergunto. Tiro fotos. Ele continua a falar. O tempo passa. Ele tagarelando, eu escrevendo. A entrevista termina. Despeço-me e vou embora. Quando chego até a rua, recebo uma linda surpresa. Está chovendo. São Paulo, A Cidade da Garoa, pegue seu guarda chuva e sorria. É apenas um chuvisco. Decido continuar. Decisão errada. No meio do caminho, o chuvisco torna-se um temporal gigantesco.Praticamente um dilúvio. Chuva vinda de cima, de lado, de frente, de baixo. Maldito verão! Estou ensopado. A água corre, os sapatos parecem duas pranchas de surfe. Espero embaixo de um toldo de um boteco nojento recheado de alcoólatras e prostitutas. A chuva dá trégua e volto para o trabalho.

Encharcado, paro no oitavo andar, no qual fica a enfermaria, para pedir qualquer remédio contra gripe ou resfriado. Quer ouvir a novidade? Eles não têm esse tipo esse tipo de medicamento. Enfermaria? Afinal, que grande porcaria era aquela? O ar condicionado iria acabar com todas as minhas defesas. Resumindo, eu estava completamente fodido. Iria adoecer. Pela primeira vez compreendi o verdadeiro ódio de Michael Douglas. Estava muito, mas muito puto. Era um dia de fúria!

Continuo com meu serviço. Não houve mais novidades. Termino minhas obrigações. A cidade está inundada. José Luiz Datena delira. Era um ótimo dia para o sensacionalismo. Vou até a copa. O chá acabou. Não quero café. Volto de mãos abanando. Pego minhas coisas. Está anoitecendo.  Despeço-me de todos e vou para o ponto.

A chuva continua. O ônibus demora a chegar como nunca demorara antes. O trânsito é memorável. Sento-me. Impaciente, esqueço-me de viver. Não consigo mais contar as horas. Finalmente consigo chegar em casa. Minha bunda parece um cubo! Converso com os cães. Pelo menos meus fieis amigos de quatro patas não possuem nenhuma crítica a fazer. Subo as escadas. Tiro as roupas molhadas e jogo tudo pelos ares. A meia gruda na parede. Recordo que me esqueci de passar na farmácia. Fico, outra vez, puto. Deito-me exausto na cama. Ligo a TV. Desisto. A vida venceu.



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Jagged Little Pill

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Estava sentado com o joelho sobre o banco e o braço direito apoiado sobre a mesma perna. O pulso balançava enquanto ele observava o movimento. Estava postado exatamente em frente ao elevador do oitavo andar. Cada vez que o sinal tocava, uma garota mais linda que a outra chegava para retomar seus estudos. Com paixões instantâneas a cada minuto, dava-se conta que havia matriculando-se na faculdade errada, afinal estava ali observando magníficas beldades apenas para esperar seu amigo ganhar presença para que, então, pudessem ir até o bar na avenida mais próxima.

Após um quarto de hora, seu companheiro saiu da sala com uma das mulheres mais lindas que ele já havia tido a oportunidade de ver. Branca como a neve, longos cabelos negros até o meio das costas, um sorriso incrível e um olhar, no mínimo, cativante. Poderia gritar versos de amor para um telhado de cimento. Era exatamente o seu tipo. O tipo que mais lhe encantava. Apresentaram-se e começaram a discutir sobre o preocupante trabalho. Ela precisava ensaiar suas falas para a apresentação de um seminário e acabou usando os dois como cobaia. Seu amigo fazia o possível para tentar ajudar, mas ele, o protagonista, claro, nunca havia tido uma aula sequer de marketing, não fazia idéia sobre o que estavam falando e, mesmo que se esforçasse, a única coisa que realmente lhe prendia a atenção era a impressionante beleza daquela menina.

Mais um tempo se passou e a garota mágica voltou à sala para terminar seu propósito. Os dois desceram até a rua para fumar um cigarro, tomar alguns goles de cerveja e voltar ao lar para acabar mais uma quinta-feira em grande estilo. Nove tragadas e três copos de cerveja eram mais que suficientes para deixá-lo em um estado benevolente e bastante agradável. Bateram um papo, contaram boas piadas sobre a vida medíocre que cada um deles levava e nosso personagem pôde fazer algumas novas amizades que provavelmente nunca mais voltaria a ver.

O caminho de volta no velho ônibus não foi tão agradável assim, pois àquela altura gostaria muito de ouvir uma bela canção, mas não havia nenhum meio disponível para tal. A leitura talvez viesse a calhar, mas Don Quixote não era o livro mais apropriado para o momento. Bukowski ou Hemingway cairia bem, porém não havia um modelo útil disponível. Aproveitou a brisa que chegava pela janela e contentou-se apenas em admirar as luzes e os carros que passavam em alta velocidade.

Outra vez em casa. Cansado, feliz e lembrando-se de como existem pessoas apaixonantes a cada nova esquina. Girou as chaves e cumprimentou os cães que o aguardavam com uma felicidade incomum. Abriu a geladeira e agradeceu aos céus por encontrar uma bela porção de lasanha que ainda sobrara do almoço. Era um caso raro chegar ao lar e não ter que encarar pela frente mais um prato de arroz e bife como vinha acontecendo nos últimos quinze anos, sem interrupções. O mesmo prato por mais da metade da vida costuma, ao menos, ficar um pouco enjoativo.

Carregando o peso de mais um dia de estudos e trabalho, atirou-se de cabeça na Internet para se atualizar sobre as notícias de última hora e pesquisar artigos de cultura inútil. Durante esse pequeno passeio, acabou descobrindo que um álbum da Alanis Morissette havia vendido mais de trinta milhões de cópias ao redor de todo o mundo. Como um disco dela poderia ter feito tanto sucesso assim? Era óbvio que subestimava seu talento e precisava comprovar por si mesmo que tinha algo errado em suas próprias concepções. Graças a internet, ouvir o disco em tempo real não foi problema algum. Seus avós não faziam idéia do quanto tudo é fácil nos dias de hoje. Informação, sexo e violência. O mundo se tornou uma estação aberta para todo o tipo de alegrias e desgraças.

Já o disco, meu Deus! Fazia tempo que uma descoberta musical não o pegava de surpresa. Que voz, que belas composições. Talvez merecesse mesmo ter vendido tanto. Talvez. Depois de muito ouvir, ainda carregava uma pequena dúvida. Não conseguia ter absoluta certeza se o álbum era realmente incrível ou se estava pouco a pouco se tornando homossexual. Não que tivesse dúvidas concretas sobre sua masculinidade, mas não lembrava-se de ter conhecido algum heterossexual que considerava Jagged Little Pill um dos seus CDs favoritos ou que fosse seu fã incondicional. O único amigo que admitia esse gosto peculiar tinha Buffy, A Caça Vampiros  como sua série de TV preferida, portanto não poderia ser levado 100% em consideração.

Voltou à cama enquanto You Oughta Know tocava pela terceira vez e aos poucos foi deixando o sono lhe dominar. Uma aula de revolta para expressar angustias em grande estilo. Provavelmente o cara tenha sido mesmo um grandessíssimo filho da puta, porém acreditava, e hoje tem ainda mais certeza, que mulheres rancorosas nunca conseguem ser totalmente racionais lidando com certas mágoas, por isso era difícil digerir com convicção todas aquelas insinuações. Era ótimo sentir o edredom esquentando-lhe o corpo em uma noite fria. O efeito do álcool e dos cigarros persistia levemente. Nem percebeu quando seus olhos se fecharam. Cair no sono embriagado era o segundo modo para adormecer que mais lhe agradava.  O primeiro era, sem nenhuma discussão, deixar-se levar depois de um belo orgasmo enquanto uma linda garota acariciava os seus cabelos. Infelizmente, esse não fora o caso naquela noite.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Você

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Seria fácil demais
Tentar entender
Seu toque, seus gestos, seu jeito
Sua forma de ver, sorrir, viver
Apenas um beijo

Não seria nada incomum
Encantar-se, deixar-se levar
Sentir-se completo
E não perceber
Por estar mais uma vez ao seu lado

A voz, o riso
O modo delicado
Para tentar esconder
Para brindar, para escolher
Um carinho

É simples
É mágico
Deixar-se seduzir
Quando você é, mais uma vez
Somente você mesma

Cativante, apaixonante
Serena e delicada
A cada abraço, a cada beijo no rosto
A cada encontro
Um presente, uma paixão

Sonho, digo, espero e finjo
Admiro
Escravizo minhas emoções
Enquanto luto para conquistar seu coração
Enquanto me esforço para trazer você para mim

Não importam mais
Os medos, os fracassos
Empecilhos e defeitos
Vontades e receios
Se já fora de muitos
Ou de ninguém
Ainda te levarei ao topo
Pois a única coisa que me importa agora
É você

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Incógnitas e certezas

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Minha memória não andava lá essas coisas! Estava abusando um pouco da hospitalidade alheia. Não valia muito a pena viver como um rock star se você ainda não fosse um. Ainda bem que eu tinha consciência suficiente para lembrar-me que as segundas-feiras eu precisava retornar ao mundo real.

Estar fora de controle desde as 14h podia parecer um pouco preocupante, mas não era motivo para reclamações. Seria muita hipocrisia dizer que não estava valendo a pena. Cervejas, cigarros e as cinzas espalhadas pelo tapete. Estávamos tocando cada vez melhor. Era impossível não gargalhar ao menos uma vez. Tinha motivos de sobra para estar feliz. A depressão certamente nunca seria o estilo de vida certo para mim. O humor sempre foi uma arma eficiente para vencer obstáculos emocionais. Uma vez ouvi dizer que só começamos a amadurecer quando conseguimos rir daquilo que um dia nos fez chorar.

Antigos desejos voltaram a bater na minha porta. Nem todos foram aquilo que eu esperava, mas não seria certo recusar tais presentes. Muitas vezes as coisas acontecem de um modo totalmente diferente daquilo que planejamos e fico impressionado quando aparecem no momento que menos estamos esperando. Graças aos céus ela era linda, senão me arrependeria muito por tê-la cortejado tanto. Porém tinha certeza que algo muito bom ainda estava por vir, portanto seria ótimo ter paciência e perceber as verdadeiras intenções. Não é nada agradável dar com a cara no muro, mas, o que podemos fazer, somos humanos e ocasionalmente falhamos.

Apreciar um excelente almoço em uma bela tarde de domingo também pode ser reconfortante. A companhia faz toda a diferença e o estado de espírito contribui com o sabor da refeição. Espero que meu saquê nunca fique amargo, não seria um bom sinal. A única parte difícil do trajeto é ter de lidar com pessoas indesejadas em um ambiente inóspito, isso se você não está 100% sóbrio há um par de horas. Fica difícil passar uma boa impressão quando não temos intimidade para dizer a verdade ou escolher um ótimo jogo de palavras para fugir da situação. Nem sempre uma pessoa que lhe conhece há mais de cinco anos pode te deixar a vontade em encontros repentinos. Sendo novo ou velho, a sátira da vida sempre continua.

Preciso arrumar tempo para preencher minha lacuna de inspirações. Não têm sido fácil escrever ou compor, mas geralmente o que menos me agrada acaba sendo o que todos mais apreciam. Uma ironia que deixa-me dúvidas com relação ao meu real senso de qualidade. Quem sabe um novo amor fosse ideal para lançar-me em busca de novos horizontes? É uma pena não termos capacidade de controlar nossas paixões, mas podemos sempre estar abertos a novas experiências. Aquela pequena e linda garota talvez possa te levar a lugares aos quais você nunca sonhou visitar. Viver sempre será uma infinita incógnita, por isso tudo continua valendo a pena.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ponto fraco

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Ainda era impossível entender o quanto ela conseguia impressioná-lo. Eles não se conheciam profundamente, não eram amigos íntimos e não possuíam quase nenhuma ligação em comum, mas mesmo assim aquela linda garota de pele clara como a neve e pequenos e inesquecíveis olhos negros lhe deixava completamente fora de sintonia.

Já havia tido a oportunidade para sentir raiva, indiferença ou simplesmente esquecer tudo o que lhe atraía, mas ela era bonita demais para que ele conseguisse lembrar-se de todos os imprevistos enquanto ela estivesse presente. Bastava apenas uma troca de olhares, observá-la alguns segundos ao longe ou vê-la passar lentamente sorrindo pelo corredor, que já era um motivo mais que suficiente para que ela dominasse completamente todos os seus pensamentos.

Toda vez que a encontrava, era impossível deixar de se perguntar como alguém podia ser tão linda. No fundo sabia que talvez ela não fosse a garota mais incrível que já existiu, mas não importava, porque para ele, independentemente do que lhe dissessem, ela sempre seria a mais bela. Amor? Obviamente não, ainda não haviam tido oportunidades suficientes para conceberem tal sentimento. Paixão? Talvez um pouco. Admiração? Essa provavelmente era a única certeza que ele tinha, pois era impossível não parar um segundo para apreciar tamanha beleza.

Porém algumas dúvidas faziam questão de atormentá-lo e, por mais que se esforçasse, não conseguia recordar que algo assim tenha acontecido antes. O seu jeito? O seu olhar? Não era a tarefa mais fácil conseguir explicar. Estava claro que ela fazia o seu tipo mais do que ninguém, mas isso acabava tirando-o do sério algumas vezes. Ela gostava de jogar e, mesmo que tentasse, ele não conseguia escapar do jogo. Não sabia exatamente se está era a expressão certa a ser usada, mas se existia algum ponto fraco evidente em sua personalidade, sem dúvida alguma, era ela.

O livro ainda não estava aberto para esclarecer onde tudo isso iria terminar, mas era o momento ideal para “esperar pelo melhor, preparar-se para o pior e aceitar o que vier.”



terça-feira, 5 de outubro de 2010

Transparecer


Acordava todas as manhãs com uma incrível dúvida. As respostas nunca vieram e a inquietação tornava-se inevitável. Possuía muitos atributos, mas não era a tarefa mais fácil se abrir com qualquer pessoa que valia a pena e deixar transparecer seus verdadeiros talentos. Talvez fosse esse um pequeno erro de sua conduta que lhe privava de algumas belas felicidades.

Ironicamente ele ainda se considerava um escritor. Um romance mal sucedido e alguns textos e contos publicados não lhe traziam ainda a completa satisfação. Experiências anteriores fizeram-lhe acreditar que os escritores deviam manter-se completamente calados, pois eles só conseguem expressar realmente aquilo que pensam e desejam quando estão com uma caneta nas mãos. São cheios de complexos, medos e revoltas, mas sempre encontram alguma chance para mostrarem como são imbecis nos momentos menos oportunos, deixando todos os envolvidos com a única impressão sua a respeito que não é verdadeira. Essa, provavelmente, seja a melhor explicação para entender porque a grande maioria deles ainda seja pobre, alcoólatra ou viciada.

Nos momentos difíceis, acabava indo contra seus próprios princípios. Atualmente passou a se perguntar se o amor era uma felicidade dos idiotas ou se somente os idiotas perdiam seu precioso tempo amando. Quanto mais dias, meses e anos passavam, percebia que ficava cada vez mais difícil se apaixonar. Para sua sorte, uma amiga mostrou-lhe que, apesar de tudo, ele não era o único que vivia tal situação. O ano não havia sido dos mais felizes, é verdade, mas isso não justificava a grande série de fracassos. Na verdade, se parasse um pouco para pensar, não havia existido absolutamente quase nenhum, porém seu ego era grande demais para que ele entendesse isso facilmente. A insegurança continuava sendo a porta de entrada para que as coisas não dessem certo. Seria ótimo se ele fosse capaz de agir da maneira como pensa, mas infelizmente ainda não podemos escolher a cruz que iremos carregar.

The Rolling Stones passaram a ser, mais uma vez, uma grande fonte de distração enquanto as doenças não resolvessem ir embora. Worried About You foi uma daquelas faixas perdidas que mostraram que, mesmo nos anos 1980, Mick Jagger e Keith Richards podiam ser ainda muito bons. Uma bela canção.

Graças aos céus um feriado estava por vir e mais uma chance de vitória chegaria. As nuvens negras resolveram se dissipar e os primeiros raios de sol começaram a brilhar sobre sua janela. Ouvir os pássaros cantarem ajudava a alegrar seu interior. Ainda não era hora de levar a vida tão a sério. Haveria muito tempo de sobra para esquecer as mágoas, voltar a concluir suas metas e lutar para tentar realizar seus sonhos.



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Despedida marcada

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Gostaria de lembrar o meu verdadeiro nome. Já fazia algum tempo que não a via, mas ela continuava linda. Talvez ainda mais incrível do que antes e, certamente, jamais seria capaz de perder tamanha beleza. Sentia-me feliz em poder ver que seus atributos rendiam-lhe grande admiração. Um brilho no céu e uma lágrima nos olhos. O último beijo foi o mais intenso e também o mais doloroso.

Lembrar, sentir, voltar, viver
Tentar, sorrir, chorar, correr
Doar, pedir, ganhar, vencer 
Lutar, medir, gostar, dizer
Sonhar, curtir, mostrar, fazer
Olhar, ouvir, ficar, temer
Tocar, fugir, dançar, querer
Andar, surgir, estar, sofrer
Beijar, partir, deixar, colher
Passar, abrir, transar, nascer
Pensar, dormir, cobrar, trazer
Deitar, seguir, trocar, mover

Ela se virou e sorriu. A leve brisa trouxe-me seu inesquecível aroma mais uma vez. Restavam singelas dúvidas, pois ainda me era impossível explicar o que realmente é o amor. O sol se pôs e o trem, finalmente, partiu.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Movimentando-se

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O elevador aos poucos ia se movimentando em baixa velocidade, quase que parando, até o destino assim desejado. O ambiente, que na madrugada, de tão quieto que se encontrava podia-se ouvir a respiração ofegante de um fumante compulsivo e sedentário. Naquele momento temia que o elevador parasse em qualquer andar que não fosse o seu, se baseando em algum roteiro de filme de terror, olhava fixamente, janela por janela passando. Oferecendo-lhe alguns cigarros e trocando histórias pela madrugada o porteiro da noite liberava a chave da cobertura. Um gesto um tanto que amigo para quem estava precisando.

Abria a porta e enfim estava em um espaço, parecendo que reservado, só dele. Alguns metros quadrados a exatamente treze andares das pessoas que caminhavam na rua, cercado por grades um tanto que peculiar. Estava preso assim como suas idéias. O vento que tocava suavemente seu rosto gélido contrariava a idéia do “estar preso”, dizia que enfim podia tentar novamente. Agora se colocando em posição de elogios, ao qual almejava, quase que gritando dentro de si, para que os outros enfim escutassem.

Em uma sequencia de passos firmes chegou à beirada e olhou o mar de luzes na sua frente. Diferente de Amélie Poulain, não imaginava quantas pessoas estavam tendo orgasmo naquele momento, e sim quantas pessoas estariam no alto de um prédio pensando quantas pessoas estariam também no alto de um prédio, fazendo exatamente a mesma pergunta que ele.

Insônia. Que te abandonara enfim o bom filho a casa torna. Em uma tentativa frustrante de acender um cigarro no alto de um prédio, com fósforos, o fez repensar o quão difícil é a vida. Exigente com tantos mortais, cobrando de tantas pessoas boas e beneficiando tantas outras ruins.

Havia garoado um dia antes e a poluição tinha se propagado, deixando amostra algumas tímidas estrelas para ele poder olhar, talvez sem razão, para elas. Pensou em anjos, cometas, aviões, OVNIS, pássaros, "Wild Horses” do Rolling Stones, na lua, nela, ou qualquer coisa do gênero que se pode lembrar quando se olha para o céu, em uma madrugada de inverno.

O celular um tanto que inquieto o fazia pensar que sua companhia não andava muito requisitada. Pudera, estava sentando na madrugada de sábado para domingo na cobertura de um prédio quieto e consolador.
Pequena história de um grande homem que não entende seu presente, pois o tema de seu romance é escrito com seis letras. Com a ponta de cada um dos cinco dedos conseguia tocar com cautela o mundo naquele momento. Tocou, o agarrou e puxou para si.

Estava para amanhecer, não arriscou para esperar o nascer do sol. Deixou uma parte de si lá, como deixa uma em cada lembrança. Com cautela, sem ao menos ninguém notar, estava aos poucos se transformando de adjetivo para metonímia.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Feriado prolongado

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O cigarro passava de mão em mão enquanto percorríamos a estrada. A cerveja no porta copos a minha direita era uma ótima saída para acompanhar a conversa. Como sempre, estava no banco do passageiro fazendo a seleção musical e organizando alguns pensamentos. Plastic Zoo, mais uma vez, assim como eu, continuava em seu lugar habitual: tocando no rádio a um volume considerável e empolgante. Havíamos comprado mantimentos, planejado os eventos posteriores e ansiávamos por um feriado promissor.

Já estávamos quase a uma hora na estrada quando problemas não esperados passaram a acontecer. O carro apresentou falhas e ameaçava desligar a qualquer momento. Olhamos o painel e percebendo o quanto tínhamos sido estúpidos, pois não paramos para abastecer. Não colocar combustível foi apenas uma das inúmeras idiotices as quais nos sujeitamos. Também nos demos conta de que o ar condicionado estava acionando durante todo o trajeto, consequentemente, gastando a gasolina, que não tínhamos, ainda mais rápido.

Não preciso me aprofundar na forma como ficamos apreensivos. Love Don’t Love Nobody fazia a trilha sonora do desespero ao mesmo tempo em que pedíamos aos céus para que um posto de gasolina surgisse a qualquer momento, mas, obviamente, em um certo ponto, o automóvel falharia para não mais funcionar e, claro, isso aconteceu. Estávamos na segunda faixa da esquerda e atravessamos até o acostamento, passando por duas faixas relativamente movimentadas e com o motor completamente desligado. Uma boa manobra de nosso motorista. Tivemos um pouco de sorte e conseguimos estacionar exatamente no ponto onde havia um telefone de socorro. Ligamos o pisca-alerta e fui incumbido de  pedir ajuda. Quando me postei em frente ao telefone, enxerguei apenas uma grade amarela. Não havia números, gancho e nada que fosse semelhante a um aparelho de telefone normal. Simplesmente não sabia o que fazer e acabei desistindo. Pensando melhor, era possível perceber que minha sanidade não andava 100% àquela altura. Mais uma burrice para completar a noite. Olhei as estrelas e conclui que, realmente, o amor não amava ninguém.

Coloquei os pensamentos em ordem e decidi usar o cérebro para algo útil. Telefonei para o 102 e consegui o número da administradora da estrada daquela região. Expliquei-lhes a situação e consegui que mandassem uma rota para averiguar o que havia acontecido. Quando fui avisar que algo bom tinha, finalmente, ocorrido, vi meu companheiro conversando com a grade amarela. Ele, ao contrário de mim, conseguiu usar o telefone de alguma forma que eu não podia entender. Assim que terminou, supliquei para que me mostrasse como utilizá-lo e ele me indicou um gigante botão vermelho que ficava logo abaixo da grade. Ainda não sei como não consegui vê-lo. Existia, agora, dois pedidos de socorro para o mesmo local. Nada mais precisava ser dito.

Aguardamos cerca de dez minutos até que a ajuda chegasse.  Um socorro bastante eficiente, pois pensava que ficaríamos esperando por algumas horas. A rota levou meu amigo até o posto mais próximo para que nosso pequeno problema fosse solucionado. Tive que aguardar ao lado do veículo até que retornassem.  Depois de mais alguns minutos um caminhão guincho se aproximou e parou em frente ao carro. “Meu Deus! E agora?” Não podíamos levar o carro, porque logo, logo retornariam com o combustível e estaríamos prontos para partir. Expliquei isso ao funcionário, mas ele já sabia do problema. Disse apenas que não poderia me deixar esperando sozinho já que estávamos em uma área de risco. Pelo rádio, avisou a rota que nos encontraríamos todos no próximo posto. Colocar o carro no caminhão foi mais um dos doze trabalhos de Hércules. Eram muitos botões e mecanismos para uma pessoa no estado que me encontrava, porém, com um pouco de concentração, tudo correu razoavelmente bem.

O posto de gasolina mais próximo encontrava-se, para nossa sorte, ou azar, a apenas três ou quatro curvas adiante. A rota estava lá e o caminhão guincho se aproximou. Descemos o automóvel e colocamos a sagrada gasolina. O carro voltou a funcionar e decidimos partir. Não tivemos que desembolsar um centavo sequer. O pedágio custara apenas R$ 2,40. Um serviço de qualidade! Agradecemos e recomeçamos a viagem pensado que tudo seria diferente dali para a frente.

A neblina estava um pouco acentuada durante a serra, mas tudo parecia andar bem. Parecia. De repente freiadas bruscas, carros fugindo pela contra mão e um risco eminente de engavetamento. O exímio motorista jogou o carro para esquerda e desviou-nos do perigo. Foi um susto inesperado, que voltou a nos atormentar mais duas vezes, e da mesma forma, durante o caminho. Ainda tenho minhas duvidas sobre o que realmente aconteceu, mas quero acreditar que o condutor não foi negligente em nenhuma delas. De qualquer forma, não estava nas condições ideais para analisar a situação com a profundidade necessária.

Após alguns contratempos, conseguimos chegar, inteiros, até o litoral. Estávamos agradecidos por ter superado todos os obstáculos. O sacrifício havia valido a pena e agora tínhamos quatro dias livres pela frente. Sossego, festas e diversão.  Mais um cigarro foi aceso antes de fugirmos para o descanso final.

No dia seguinte, assim que levantei, lembrei-me da noite anterior e fui até a varanda para analisar o clima. Estava otimista, mas obtive uma imensa decepção. O céu estava nublado, o tempo chuvoso e a temperatura abaixo dos dezessete graus. Não era nada do que estávamos esperando. Não mesmo. E assim continuou até o fim do feriado.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Asilo forçado



Eram quase 4h30 da manhã. O telefone tocou. Tentei ignorar, mas algum pressentimento desagradável me dizia que era necessário atender. Virei-me até o aparelho com uma tranquilidade incomum e tirei-o do gancho.

– Alô! ­– Disse com a garganta bastante arranhada.

– Boa noite, senhor! Meu nome é Fábio Cardoso, sou da Polícia Militar. Uma senhora, provavelmente sua avó, nos deu esse número e está aqui na Rua Aimberé, próxima ao 1900. Quebrou o pára-brisa de um carro estacionado e está completamente incontrolável. Ela está descalça, muito perturbada e fazendo um grande escândalo na vizinhança. Você precisa vir buscá-la agora!

Parei um segundo para analisar a situação. Dei um leve suspiro e respondi:

– Tudo bem. Já estou saindo daqui. Boa noite!

Levante-me bastante incomodado. Preocupado com o que poderia ter acontecido. Fatos anteriores já haviam me deixado bastante estressado, mas não havia muito que pudéssemos fazer, apenas aceitar e entender que não podíamos, por mais que tentássemos, culpar absolutamente ninguém.

Coloquei a típica calça jeans, calcei os tênis e saudei os cães enquanto colocava a camiseta. Cocei os olhos para espantar o sono e peguei a chave do carro. Sai de casa tentando organizar a infinita quantidade de dúvidas inexplicáveis que embaralhavam meus pensamentos.

Ela era e foi uma senhora sadia por muito, muito tempo. Sempre amou sua família e ajudou a todos da forma que podia. Era devota, inteligente, instruída e extremamente caridosa com as pessoas que estavam a sua volta. Possuía somente 1,60m, mas era um ser de alma e coração imensos. Fez o que esteve ao seu alcance para que todos ao seu lado se contentassem com o melhor. A avó que todos, pelo menos por um único dia, gostariam de ter. Claro que, já com oitenta anos, apresentava alguns problemas que a velhice carrega, mas nunca poderíamos esperar que as coisas terminassem assim.

Com o passar do tempo, medos incomuns começaram a dominar sua rotina. Dormir sozinha e ficar em seu próprio quarto por algumas horas passaram a ser tarefas inconcebíveis e duvidosas. Brigas e discussões por atitudes nada convencionais começaram a acontecer frequentemente. Era possível conviver com tais problemas, mas tudo, aos poucos, foi ficando cada vez pior. O receio de tudo a apavorava mais a cada dia. O fanatismo religioso já não supria suas fraquezas e sua sanidade começou a mostrar pistas de que algo não andava tão bem assim. Esquecia-se dos compromissos. Acontecimentos que não existiam passaram a ser tornar verdadeiros no seu cotidiano. As conversas ficaram mais fantasiosas e já não era possível encontrar algum sentido nas palavras e frases proferidas. O porque de tudo ainda era um grande mistério.

Quando as fugas do lar tornaram-se constantes, ficava difícil manter a traquilidade inabalável. Todos ficavam, pouco a pouco, cansados, com o humor alterado e as brigas eram cada vez mais comuns. Ela passou a esquecer o verdadeiro caráter das pessoas que mais amava e deixou que idéias falsas tomassem conta de seu interior. Seus netos tornaram-se, para ela, assassinos e viciados. Sua única família, agora, em sua frágil consciência, detestava-a e sua permanência no próprio lar ficou insuportável. Não porque era impossível viver em harmonia, mas porque ela não mais entendia o que realmente acontecia ao seu redor e não nutria nenhuma vontade de permanecer conosco.

As agressões aos que tentavam ajudar eram apenas mais um capítulo da saga que insistiam em piorar. O ponto crítico ocorreu quando trancou-se no quarto por horas intermináveis, evitando qualquer contato com  mundo exterior e negando- se a receber alguma forma de carinho. Sua transferência foi concluída assim que a porta foi arrombada, porém, finalmente, ela parecia estar mais calma e feliz.

Os sintomas pioram a cada dia e os tratamentos convencionais não conseguem amenizar o progresso da doença. É muito mais difícil conformar-se quando não temos opções. Os sentimentos de culpa e perda ainda não desapareceram. Talvez nunca acabem. Internar uma das pessoas que você mais ama em um asilo – ou casa de repouso para aqueles que buscam disfarçar a verdade –, longe dos olhos de quem apenas lhe quer bem, não é, e nunca será, uma tarefa fácil. Nós continuaremos sempre a lhe amar mesmo que você, um dia, acabe se esquecendo disso.

domingo, 15 de agosto de 2010

Somente mais uma desculpa

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Seria muita hipocrisia dizer que não acabei tentando. Arrependido? Ainda não sei exatamente. Talvez um pouco. Talvez nem mesmo um pouco. Na pior das hipóteses, é um fardo a menos para carregar. Provavelmente foi o momento errado para tais sutilezas, mas tornou-me livre para alçar novos vôos e deixar de lado uma questão que incomodava há algum tempo.

Estava bastante seguro pensando em contornar a situação pelo caminho certo. Não tenho dúvidas que consegui deixar minha marca em seu coração, porém não da forma que eu realmente desejei. Posso confessar que, no final, fracassei. Desconfio dos verdadeiros motivos, mas nunca terei realmente certeza. Procurei insistir, no entanto, acredito, não demonstrei confiança suficiente para se abrirem comigo.

Passar por situações difíceis na vida nos faz aprender o valor de muitos gestos que jamais demos real importância. Problemas atraem cada vez mais problemas, por isso devemos acabar com todos, se possível, de uma única vez.

Deixar antigos amores de lado nunca foi uma tarefa fácil. Passamos por isso inúmeras vezes e, ainda assim, continuamos a amar, em alguns momentos, muito mais do que nas antigas relações. Gostaria de não ser indiferente, mas depois que as lembranças esquecem de nos atormentar, tudo que fica para trás deixa de fazer sentido. Incomoda-me apenas a frieza com que recordo casos que já foram extremamente relevantes em minha vida não possuírem mais nenhum valor sentimental nos dias de hoje. Ser volúvel e temperamental talvez seja uma das maiores fraquezas do ser humano.

O que aconteceu com o tempo? Até minhas últimas lembranças, costumava tê-lo de sobra. Preciso enriquecer o quanto antes ou encontrar uma fórmula fácil para enlouquecer. Os loucos não têm absolutamente nada com que se preocupar, mas, nós, os sãos, sempre temos motivos de sobra para ficar por ai, a toa, se lamentando. Por enquanto, despertar com o calor do sol já é um ótimo motivo para sorrir.

Escrever reflexões – como essa – já não passa de uma reles desculpa para manter o blog atualizado. Vou me esforçar para que na próxima postagem eu venha a compor um belo conto, recheado de histórias que valham a pena ser lidas. Devo aproveitar a deixa para desligar o som. John Lennon é melancólico demais para um final de domingo.


sábado, 7 de agosto de 2010

Bem vinda


Uma preguiça infernal. Dinheiro escasso e amores perdidos. Uma noite mal resolvida e tudo veio por água abaixo. Viver não é tão simples assim! Saúde, progresso, inveja. Na selva de pedra, o labirinto emocional te consome pouco a pouco. Expectativas, sonhos, realidade. Seria melhor desejar o que temos capacidade de conseguir. Do que estou falando, afinal? Nem eu sei mais dizer.

Eu não vou esquecê-los. Ainda vamos nos ver na próxima sexta-feira. Desculpe-me por não ter aparecido ontem. Amanhã, infelizmente, teremos um novo show. O furacão de idéias irrealizáveis e cheia de remorsos insiste em continuar. Mas não se preocupe, eu não vou esquecê-los. O que tento dizer? Ainda não sei.

Drogas, fé, paixão. Qual o verdadeiro motivo de tudo isso? O quão mágico seria acabar com essa dor de cabeça horrível. Acorde-me quando o sol raiar, por favor. Mostre-me como o nascer do sol pode ser belo. Algumas vezes é difícil fazer a sua cabeça. Suspire ao meu ouvido tudo que eu nunca poderei ser. Coloque uma linda música para tocar. Essa banda novamente? O que posso dizer? Eles fazem parte da trilha sonora de minha vida. E o que significa tudo isso? Fica cada vez mais difícil entender.

Eles lhe fizeram parar com tudo e raciocinar apenas para testá-la, pois você realmente não sabe o quão longe é capaz de ir. Gostaria de deixar de viver somente por um dia. Orgulho, compreensão, lágrimas. A timidez acaba tornando tudo pior. Vamos fracassar? Então, que seja com nós dois ainda juntos. Seja, sempre, muito bem vinda.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma pequena lembrança

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O sol continuava a brilhar intensamente, mas mesmo assim o frio ainda congelava suas mãos. Havia esquecido suas luvas em cima da penteadeira. Algo nada sábio a fazer em pleno inverno. Andava a pé desde que seu querido carro tinha sido roubado. Haviam tentado três vezes, na quarta conseguiram furtá-lo. Era uma boa média para um Gol.

Aproveitava o tempo vago para realizar suas tarefas casuais. Sua sorte era grande por habitar um bairro no qual era possível sobreviver sem utilizar o “querido” transporte público a todo o momento. Bancos, supermercados, padarias. Tudo a apenas algumas quadras de distância.

Assim que havia terminado suas obrigações, parou por um momento em frente ao prédio de uma das garotas mais belas que já havia conhecido. Ela possuía cabelos negros e lisos até o meio das costas. A pele clara como a neve. Olhos castanhos e inesquecíveis. O sorriso? Este era, com toda a certeza, um dos sorrisos mais lindos e cativantes que já tivera a oportunidade de ver. Para sua sorte, teve a chance de apreciá-lo diversas vezes. Não é nenhuma novidade dizer que muitos acabaram se apaixonando enquanto trocaram, por acaso, algumas palavras ou gentilezas.

Carregava um bilhete nas mãos para entregá-la. Não pessoalmente, pois sabia que àquela hora ela não estaria presente, e no momento que estivesse, ele não teria tempo de fazê-lo. Tudo bem. O porteiro faria um excelente intermédio entre os dois. Só havia um único problema: por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar qual era o edifício que ela morava. Havia lhe dado carona até ali em algumas oportunidades. Era uma ótima companhia e recordava com carinho que tinham passado bons momentos juntos. Dividiam alguns valores em comum e se davam realmente bem.  Haviam perdido contato em certo momento, provavelmente por algum motivo bobo ou inexistente, mas isso nunca significou que havia deixado de admirá-la.

Estava em dúvida entre dois prédios. Claro que erraria na primeira tentativa. Escolheu o condomínio da esquerda e disse ao porteiro que precisava entregar uma encomenda para um morador. A porta se abriu. Graças aos céus não era nenhum assaltante. Obviamente ele não apresentava tais características, mas nos dias de hoje como podemos prever? Havia sido fácil demais. Mas conversando, deu-se conta que estava no lugar errado. “Que tremendo idiota”, deve ter pensado o porteiro. “Vem fazer uma entrega e sequer sabe o endereço”. Deu-lhe um sorriso sem graça e abriu o portão. Foi obrigado a sair. Ainda com o bilhete nas mãos, dirigiu-se até o prédio ao lado.

Na segunda tentativa, nutria mais esperança, afinal se não fosse ali algo andava muito errado com seu senso de direção ou com sua memória fotográfica. No pior dos casos, com suas recordações vividas, pois passar por tudo aquilo sem que nada tivesse realmente existido lhe deixaria, com certeza, paranóico. Dessa vez uma cordialidade incomum chegou pela portaria. Ela realmente morava ali. Um senhor muito educado disse que lhe entregaria a pequena carta assim que possível. Segurou-a com delicadeza nas mãos, agradeceu-lhe e se despediu.

Quando chegou até a rua, colocou novamente os fones no ouvido. Girl From A Pawnshop voltou a tocar em um volume considerável. Olhou atentamente para os lados e atravessou. Com o andar calmo e tranquilo, decidiu retornar para casa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ausência


Sem mais despedidas
Atrasos inconvenientes
Noites mal dormidas
Exageros imperturbáveis
Tristezas inconsoláveis

Sem mais chances inúteis para tentar
Para voltar atrás
Para insistir
Para lembrar
Para continuar vivendo as margens de um rio de lágrimas

Promessas não compridas
Mentiras verdadeiras
Verdades mal contadas
Sorrisos interpretados
Amores falsos criados pelo conformismo

Sacrifícios irrelevantes
Sentimentos inventados
Angústias omitidas
Exaustos pela mesma companhia
Uma incrível solidão a dois

Levanto-me com cuidado
Faço as malas
Dou-lhe um último beijo
Carinhosamente
Enquanto você ainda dorme

Atravesso a porta
Fecho os olhos
E digo adeus

Voltaremos a nos ver algum dia?
Regularmente nunca mais

terça-feira, 13 de julho de 2010

Noites de verão

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Dor de cabeça, sede e vestígios de uma noite cheia de excessos espalhados pelo chão. Não havia segredo algum pelo fato de estar me sentindo um lixo: a caipirinha custava apenas cinco reais! O enjôo durou metade do dia e apenas uma porção extremamente gordurosa de camarão fez com que me sentisse melhor no final da tarde.

Não tinha levado calças nem mesmo tênis para a viagem. Entrei no bar de havaianas e bermuda. A camiseta pólo melhorava um pouco meu estigma. O local estava completamente cheio e já me lembrava vagamente de, pelo menos, metade das pessoas que estavam ali na noite anterior. Talvez aquele fosse o lugar mais apropriado da cidade naquele horário para se divertir.

Primeiramente fui até o bar, claro. Não tenho certeza de quantos copos tomei exatamente, mas me recordo de já estar em um nível bastante agradável. Estar solteiro pode, algumas vezes, lhe trazer liberdades exageradas.  Voltei a conversar com uma garota que havia conhecido na noite anterior. Com uma insistência mínima, ganhei um beijo. Despedi-me com um sorriso e fui até o bar mais uma vez.

Aquela altura a sobriedade já havia me abandonado por completo. Estávamos em um grupo de três conversando em uma roda agradável quando uma garota passou ao lado e esbarrou em mim. Voltei-me para ela e, certamente, dei alguma cantada idiota que normalmente nunca daria certo. Ela me ignorou e continuou andando, pelo menos foi o que eu havia pensado. Virei-me novamente para a roda. Assim que me dei conta, percebi que ela estava parada ao meu lado. A introduzi na roda e voltamos a conversar. Gostaria muito de oferecer uma descrição razoável de como ela era, mas infelizmente, por mais que me esforce, não consigo resgatar nenhuma imagem válida.

Não sei sobre o que conversávamos, porém acredito que estava tentando conquistá-la com alguma história de bêbado pouco convincente.  Meus amigos não tinham abeto a boca para dizer uma única palavra até que um deles puxou o celular do bolso e escreveu no espaço de mensagens:

“Escolha um de nós três e dê um beijo nele.”

Não entendi muito bem o que havia acontecido, mas ela se aproximou e lhe deu um beijo sem que ele lhe dissesse uma única frase de consolação. Não sei o que passou por meus pensamentos, mas pedi que ela também me agraciasse com tal gesto. No começo ela hesitou, mas simplesmente também me beijou. A lei do mínimo esforço voltava a imperar. Aproveitei a deixa e pedi que ela beijasse o amigo que restava . Ela, claro, o fez. Fico imaginando o que meus avós diriam se tivessem a chance de observar uma cena inusitada como esta.  Meus netos possivelmente irão aproveitar a vida de uma forma incrível.

Assim que paguei a conta, meu amigo – aquele que conquista mulheres sem dirigir-lhes a palavra – disse-me para sairmos sem pagar. Apenas me convenceu a voltar até o caixa e dizer que eu não havia recebido o comprovante. Um plano alcoólatra nunca havia dado tão certo. Apesar do estado em que me encontrava, acho que fui convincente, pois não deve ser nada fácil acreditar nas palavras de um bêbado. Esperei um pouco ao lado direito do caixa conversando, quando a funcionária se aproximou com o segurança e pediu-lhe que me escoltasse até a saída. Meu amigo percebeu o que estava acontecendo e se aproximou. Tirei cuidadosamente o comprovante do bolso e lhe passei com a mão direita sem que ninguém percebesse. Sai e esperei que me encontrassem la fora.

Estávamos apenas esperando o último companheiro, quando resolvi me aventurar em mais uma empreitada. Era uma morena linda, cabelos lisos até as costas, olhos negros. Estava sozinha apoiada no muro ao lado da saída. Dela, conseguia me lembrar perfeitamente. Aproximei-me e começamos a conversar até que um amigo seu postou-se ao nosso lado e me fez um gesto para que eu fosse embora.  Não sei o que pensei exatamente, mas respondi de forma pouco amistosa:

– Por que você está sendo um puta de um babaca?

Não preciso dizer que ele não gostou nem um pouco da forma como me dirigi a sua pessoa. Voltei a conversar com a garota quando ele se aproximou e me empurrou. Ainda estava com as mãos no bolso. Se ele tivesse me acertado um soca na face, não teria sequer percebido. Assim que ele começou a armar a briga, a mesma terminou em menos de trinta segundos. Meus amigos e a turma do “deixa disso” apartaram toda a movimentação. Não houve um soco nem mesmo um copo quebrado, apenas uma ofensa um tanto incomum.

Todos reunidos, voltamos para casa tranquilos e realmente felizes enquanto amanhecia. A noite havia sido muito bem aproveitada e ainda tínhamos pela frente mais dois dias livres no feriado.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Zoológico de plástico

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Na minha mente. Seria apenas impressão? O vento costuma soprar seu nome pelo caminho enquanto corremos pela estrada. Plastic Zoo toca no último volume. A vida ainda vale a pena.

Assistindo o sol queimar nossa pele, não é impossível perceber que não precisamos de nada mais. Não sabemos o que vai acontecer com minha vida. Vejo apenas quatro amigos rindo, amando e se divertindo. Um aroma suave de álcool, drogas e rock and roll ainda paira no ar. Eu não sei o que é real. Não sei o que é o amor.

Não é nada fácil tentar entender porque você está tão linda. Gostaria apenas de estar ao seu lado. Você se lembraria se eu te levasse para casa na primeira vez que tive a chance de vê-la? Você estava sozinha no bar, eu não poderia deixa - lá ir. Apenas um toque antes que minha noção, meu discernimento e todas as minhas vagas idéias se despeçam.

O que você é? O que você usa? Existe uma mínima possibilidade de escolha? Não preciso ler, não preciso saber. Ainda temos muito aqui dentro para aproveitar. Um acorde, uma letra e mais uma canção!

domingo, 27 de junho de 2010

Meus anjos e demônios


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Não há mal nenhum em dizer 
Eu te amo
Tudo bem, eu sei, não posso mais mentir
Nunca houve nenhum engano

Quero tocar e ver
Enquanto você conversa com os anjos
Quero lembrar e ter
O seu amor de novo

Há quanto tempo não vemos um pôr do sol tão lindo como este?
Há quantos dias não conversamos com sinceridade?
Há quantos meses não tocamos nossos corpos?
Há quantos anos não nos vemos de verdade?

Um sorriso, um carinho, um abraço
Uma chance, uma vida, um afago
Foi um ótimo dia para recordar
Todos os dias perdidos

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Escrevendo sem pensar

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O frio intenso parece rasgar sua alma a cada furiosa rajada. A cada sopro, uma nova agonia e a cada agonia, mais um pedido sincero de redenção. O sacrifício pelo perdão e o remorso contínuo só podem ser explicados por aqueles que possuem o passado marcado por vexames emocionais, oportunidades perdidas e objetivos impossíveis que, infelizmente, jamais serão realizados.

Muitos podem tentar viver pelos outros tudo o que desejariam para si mesmos. Optar e escolher seguir o seu próprio caminho nos leva a uma estrada árdua que poucos possuem coragem para trilhar. Essa década provavelmente foi a mais inútil, culturalmente falando. Nenhuma explosão, nenhum hit sincero, nenhuma criação que será lembrada daqui a quarenta e poucos anos. Certamente nossa geração desistiu de lutar, por isso sempre surgem falsos poetas – como eu ­– buscando alguma forma de reinventar o mundo sem perceber que estão apenas repetindo o que muitos já fizeram milhões de vezes antes.

Tudo é muito fácil, simples e rápido. Tudo o que buscamos está sempre a um palmo de distância. Nunca foi tão fácil conseguir informação. Talvez ser burro seja um privilégio hoje em dia. Férias, Copa do Mundo, trabalho! Sempre a mesma desculpa para que passe mais um dia e nada aconteça. A vida é monótona e previsível quando a infância e a adolescência ficam para trás. Seguir o fluxo é muito mais simples. A depressão, certamente, será uma das catástrofes do século XXI.

Sentir a recepção de quem lê aquilo que escrevemos é a única arma que os escritores têm a seu favor. Nunca ninguém saberá quais as reais intenções que foram ao papel. Para quem, quando e onde? A verdade? Mentira? Realmente aconteceu? Com ele, comigo, conosco? A imaginação vai muito além do que poderíamos nos permitir e, algumas vezes, sequer acreditamos naquilo que acabamos de compor. Mentimos fingindo a verdade, amamos platonicamente, acusamos omitindo, odiamos sem precisar, confessamos sem demonstrar, demonstramos sem confessar, fingimos sem nos preocupar, nos preocupamos sem motivo, brincamos com o que não conhecemos, expressamos sem emoção, emocionamos sem experiência, lutamos pelo que nunca ninguém acreditou, acreditamos em algo pelo qual nunca lutaremos. Cabe a você entender o que buscamos declarar. Esse parágrafo é apenas mais um esdrúxulo exemplo do que estou afirmando.

Lembro-me que ainda preciso terminar essa página. Aumento o volume do som enquanto meu querido cão malhado lança com cuidado sua pata sobre meu braço esquerdo. Olha-me com um ar de amargura, se expressa, chantageia e deseja atenção. Paro um segundo para lhe direcionar um pouco de afeto. E mais uma vez uma descrição idiota como essa, rende-me mais algumas linhas.

Podemos ser muito espertos, mas completamente estúpidos. Egocentrismo é tudo e nada ao mesmo tempo. No final, apenas você poderá saber o que realmente almeja alcançar. Tenha bom senso. Tenha senso do ridículo. Ria de si mesmo. Ria dos outros. Mostre ao mundo que ninguém é melhor do que você, mesmo tendo a certeza que você não vale mais do que o cheiro da merda que seu vizinho acabou de pisar.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Manhã de Outono

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Acordei com uma dificuldade incrível para respirar. Por mais que me esforçasse, o ar dificilmente aliviava minha agonia e a cada tentativa desesperada, um chiado perturbador mostrava que algo não andava bem. Levantei-me realmente incomodado. Calcei o tênis e peguei a chave do carro. No caminho, perdi alguns minutos saudando os dálmatas que dormiam no quintal e cheguei exausto até o automóvel. Podia ainda sentir o sereno da madrugada anterior. Fazia um lindo dia, porém eram oito horas da manhã. Muito cedo para quem tinha ido dormir as 5h. Dei a partida e me dirigi até a farmácia mais próxima.

Acabei chegando mais rápido do que esperava. É difícil encontrar trânsito tão cedo assim no domingo, ainda mais em uma cidade do interior. Estacionei a meio fio e desci do carro. Em frente a porta, um cachorro preto, peludo e sem uma raça indentificável observava a movimentação. Parecia extremamente manso. Pensei em compartilhar algum momento com ele, mas estava mais preocupado com a minha saúde àquela altura, porém, por mais doente que eu estivesse, não podia parar de pensar no quão feio era aquele animal. Um dos cães mais feios que já pude ver, com toda certeza. Ainda bem que havia nascido como um cão, pois se fosse humano teria ínfimas possibilidades para constituir uma família.

Entrei cauteloso e tentando aparentar uma doença normal. Sentia tanta falda de ar que precisava falar pausadamente para não acabar com o fôlego. Pedi por um Berotec xarope e aguardei. A atendente estava mais feliz do que o habitual. Ou gostava mesmo de trabalhar e não se importava nem um pouco em fazer o “ótimo” turno na manhã de domingo ou algo realmente bom andava acontecendo em sua vida. Seu sorriso deixou-me um pouco mais feliz. Paguei, agradeci e voltei para o carro.

Liguei o som, tomei uma boa golada do xarope e fui até a praça mais próxima esperar o remédio fazer efeito. Estacionei na rua principal. Ficava em frente a um enorme lago. O sol refletia na água e as folhas rosas e laranjas flutuavam a cada rajada de vento fazendo desenhos invisíveis pelo céu. Era um lindo lugar para aguardar e parar um segundo para pensar na vida. Apenas eu e meus brônquios suplicando por um pouco mais de ar.

Parei para refletir enquanto Mayonaise tocava em um volume considerável. Algumas oportunidades haviam surgido, mas o amor resolveu me deixar esperando um pouco mais. Desde quando ficou tão difícil se apaixonar? Mais um ano estava passando e, pela primeira vez, senti que não havia feito nada muito importante nos últimos doze meses. Era apenas impressão, mas perceber que o tempo passa cada vez mais rápido começa realmente a incomodar. Daqui a seis anos vou estar com trinta. Um pouco infantil, mas, ao mesmo tempo, bastante assustador.

Depois de uma hora, uma hora e meia os efeitos do remédio começaram a surgir. O efeito do Berotec é um dos melhores. Você sente um relaxamento fora do comum e uma sensação de bem estar impressionante. Gosto de comparar com a sensação que temos logo depois que atingimos o orgasmo. Aquela preguiça única e incomparável, para nós homens, é exatamente a mesma. Dormir sobre o efeito do Berotec nos garante uma noite, ou dia, incrível de sono.

Já com o pulmão em ordem, dei a partida e retornei para casa. Apesar da doença, sentia-me muito bem, pois havia aproveitado um pouco da manhã de uma forma, no mínimo, relevante. Estacionei em frente à garagem, cumprimentei os cães mais uma vez e fui para o quarto. Tirei o tênis, puxei o edredom e, novamente, adormeci.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Em cima do chão, abaixo do céu

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13⁰C do dia 13

Apontava o relógio em prédio comercial da Marginal Pinheiros. O sol que aos poucos ia subindo só enganava os pobres mortais que se apertavam aos montes dentro do transporte público. Depois de trinta minutos em pé, no trânsito, apertado e ouvindo fofocas do cotidiano alheio, o incomodo já tinha virado raiva.

Demorei mais ou menos uns vinte minutos para passar pela catraca, ainda que minha frustração seja sempre pagar R$ 2,70 pela comodidade. Bons tempos aquele que eu pagava R$ 0,75 centavos, passava pela catraca em menos de cinco minutos e achava um lugar para sentar. Mas a pior das invenções do homem estava por vir. Malhando muito mais que qualquer academia, me segurava no popular “puta que pariu” do ônibus. Balançando como um saco de arroz pra lá e pra cá, seguido de inúmeras desculpas por dar uma cotovelada ou outra nas pessoas ao lado. Meu problema não era ser baixo, onde se segurava que era alto. Disputei lugar com uma mulher para sentar-me, ainda que na cara de pau ofereci para segurar sua bolsa, e muito grossa falou que ia descer logo. Então por que da euforia para se sentar então?

Então eis que chega o pior de todos os seres humanos, o cidadão de celular com MP3. A cara das pessoas entregava o real sentimento presente naquele momento.O fato era o seguinte, o aparelho foi feito para uso particular, como o fato condiz com o nome “particular” era exatamente o que o cidadão não fazia. Olhei para cima, suspirei e disse: Eu realmente devo merecer. As estatísticas quase nunca mentem, 98,30% desses tipos ouvem as piores músicas. Algo parecido com os tipinhos que possuem um puta som no carro, que só escuta modinha, funk ou sertanejo. E quem compra som para ou outros é parecido com quem compra coleira para o cachorro, entendem? E lógico que tirei a sorte grande de ser um funkeiro. Nada contra o funk, mas indo trabalhar às sete horas da manhã não era exatamente a música do momento.

Deu cinco minutos – “Tchum tchak tchum tchum tchum tchak olha a sequência do pente”.” É pente é o pente é o pente é pente”

...dez minutos...”é o pente é o pente”

...quinze minutos...”é o pente é o pente é o pente...PORRA!!! Você chega no seu trabalho com a sua hérnia explodindo.

Desci do ônibus. Celular tocou –“Alô.. Oi!... Sim, sim, to ouvindo! Vou ter que trabalhar no sábado? Sim, é que eu tinha...” acabou a bateria. Recorri ao telefone público. Cheguei e me espantei, acho que no meio de tantos adesivos devia ter um telefone embaixo. Faço..., 19 aninhos e fogosa..., boca quente..., ...mestiça..., sem restrições. Não tinha como não ler, tava na sua cara com as inúmeras fantasias sexuais ao seu dispor por um determinado valor. Me deu uma certo ânsia de tanto que tinha. - Alô Rosa!? enquanto falo com você aqui to pegando DST tá, mas ta tudo bem...” Antes de você usar os orelhões você tinha que colocar uma camisinha nele.

Lá estava mais um dia como outro qualquer. Vida na metrópole, metrópole da vida. Sendo em cima do chão e abaixo do céu está ótimo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um domingo qualquer

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Passava a maioria dos seus dias confinando em algum hospital. Não porque quisesse, mas por, desde sempre, lutar contra uma doença incurável que o dilacerava ano após ano.  Possuía uma bela feição. Olhos castanhos claros, um sorriso carismático e um cabelo loiro e liso até os ombros, cuidadosamente desajeitado, que lhe deixava com uma aparência única. Um pequeno óculos tornava seu semblante um pouco mais intelectual.

A cadeira de rodas já fazia parte de sua vida há um bom tempo. Não podia andar, muito menos correr, desde os cinco anos de idade quando havia, sem querer, caído de mal jeito descendo de um pequeno tronco da árvore no quintal. Seus ossos eram extremamente frágeis e duas vértebras foram rompidas. Não que sentisse algum remorso, afinal sabia que, por mínimo tempo que fosse, havia aproveitado pelo menos um pouco a infância.

Sempre carregava consigo uma bíblia no colo. Nunca a havia aberto e lido uma página sequer, mas sentia-se mais seguro sabendo que ela estava por perto. Como nunca pode frequentar escolas ou cursos, sua vida social era completamente inexistente. Os únicos amigos verdadeiros com que podia contar eram seus discos e livros. Sua banda favorita era o Hole e, embora nunca tivesse tido a oportunidade para desfrutar um pouco do amor, era completamente apaixonado por Courtney Love.

O ano era 2010. Exatamente no dia nove de maio, domingo, o Hole faria uma apresentação única na cidade. Talvez fosse essa sua última chance. Os médicos haviam lhe dado apenas mais alguns meses de vida e ele sabia disso. Não porque haviam lhe contado, mas porque sentia que a cada novo dia seu coração ficava cada vez mais fraco. Estava internado há um bom tempo no mesmo hospital e já tinha planejado uma fuga. Sabia que durante a madrugada poucos funcionários faziam ronda pelos corredores. Em seus cálculos, precisaria apenas ir até o elevador, descer ao quarto andar e sair pela entrada principal. Bastava ter a sorte de não encontrar ninguém durante a fuga. O grande problema seria convencer o segurança a deixá-lo partir. Ele havia guardado todas as suas economias em uma velha meia e pretendia persuadi-lo com uma boa propina.

Na madrugada que antecedia o concerto, o garoto não dormiu. Esperou o silêncio tomar conta de todo o complexo para poder colocar o plano em prática. Abriu a porta cuidadosamente, mas levou um pouco de tempo até que conseguisse sair completamente. É difícil fazê-lo sozinho quando uma das mãos está ocupada guiando a cadeira. Seus pais dormiam em casa, portanto ficava ocasionalmente sozinho durante as noites. A primeira parte havia sido fácil. Ninguém vigiava nada e esperar o elevador descer doze andares foi a parte mais difícil do processo.

Quando a porta do elevador se abriu, lentamente ele chegou até o corredor principal. Ao longe viu o segurança na frente da porta. O guarda observava a rua enquanto cantava uma canção. Não conseguia identificar qual era a música, mas resolveu prosseguir com cuidado para que o barulho da cadeira não o dedurasse. Quando chegou ao lado da porta, observou a rua com medo. O segurança sequer reparou que havia alguém ao seu lado. O garoto incomodado com a situação cutucou o braço de seu “companheiro” com o dedo indicador. O homem se apavorou de uma forma incrível. Deu um pulo para trás e começou a respirar desesperadamente, deixando escorrer muita saliva pelo extenso cavanhaque.

– O que você está fazendo aqui, meus Deus? A essa hora você deveria estar dormindo! Volte para o seu quarto! ­– Ele parecia estar se acalmando, mas o menino ficou apavorado com tais palavras, porém sabia que não era, ainda, a hora de desistir.

– Eu preciso sair! Tenho um show importante para ir logo à tarde. 

Olharam-se nos olhos por um minuto. O segurança desatou a rir. Era uma gargalhada malévola e que deixava nosso protagonista totalmente envergonhado.

– E como pretende fazer isso nesse estado? – O guarda deu um grande sorriso e tirou o rádio da cintura. Quando estava prestes a chamar os enfermeiros, o menino tirou a meia velha do bolso direito e postou quatro notas de cem sobre sua coxa esquerda. Ele havia economizado por muito tempo, mas, àquela altura, não estava muito preocupado com o quanto gastaria. Ainda havia muito mais de onde surgiram as primeiras notas. Sua meia, agora, era uma extensão de seu corpo. Era tão importante quantos seus braços e sua velha cadeira Freedom.

– Eu não posso fazer isso! – O vigilante estava realmente aflito, mas a cobiça era muito maior do que suas verdadeiras obrigações. – Tudo bem! Vou dar uma volta. Você tem cinco minutos. Desapareça daqui!

O segurança tirou as chaves do bolso e abriu a porta principal. Deixou-a totalmente livre e se afastou. Pegou, de longe, as notas e virou-se para o corredor. Começou a andar a passos largos e desapareceu na escuridão. No fone de ouvido, Smashing Pumpkins voltara a tocar. Agora que estava próximo, era possível identificar quais eram as notas e melodias.

Estava com medo, mas o objetivo final parecia muito mais valioso do que tudo que já havia feito em sua sofrida e solitária vida.  Ele foi pela rampa até a calçada e começou a andar sem destino. Os buracos no concreto dificultavam seu caminho e quanto mais esforço fazia, sentia seu coração enfraquecer pouco a pouco.

Depois de uma hora lutando contra o concreto esburacado, conseguiu enxergar uma luz vindo da esquina. Era uma avenida gigantesca, mas sentia que sua sorte estava por mudar. Não que isso lhe animasse muito, pois, afinal, não havia desfrutado muito dela (a sorte) em sua vida. A luz provinha de um boteco marginalizado de beira de estrada. Não estava, exatamente, em uma estrada, mas o local era tão acabado que lembrava o inferno. Teve medo e se conteve. Ficou na porta esperando e observando os bêbados encherem a cara um pouco mais.

Não sabia o que fazer? Estava pensativo e apreensivo quando percebeu uma mão sobre o ombro. Virou os olhos e deu-se conta que havia uma pessoa parada ao seu lado.

– Meu pequeno, você teria alguma ajuda para me dar? Preciso de mais um trago, mas estou completamente duro. Sem um puto, para lhe dizer a verdade. – Assim que terminou a frase, o homem tropeçou e caiu como uma bomba sobre o ombro esquerdo, rolou até a guia e bateu com muita força a boca na sarjeta.

Nosso pequeno segurou o riso de uma forma incrível, pois tinha medo que as chacotas lhe rendessem um assalto ou alguma agressão. Pensou em um plano obstinado enquanto o homem se levantava com o rosto sangrando.

– Tudo bem! Dou-lhe cem reais para que me leve até aqui! – O garoto tirou um panfleto do bolso esquerdo da jaqueta e mostrou ao homem com um pouco de desconfianças. Courtney estava linda e serena na gravura. Logo abaixo de suas coxas era indicado o endereço do concerto. O homem demorou cerca de dois minutos e meio para conseguir ler três palavras, mas finalmente disse:

– Por cem pratas, te levo aonde você quiser. Venha por aqui, meu carro está parado logo ali na esquina.

Ele foi seguindo, com dificuldade e esforço, o homem ate o carro. O bêbado estava em um apuro ainda maior que o dele para conseguir manter o equilíbrio. Caminhava como uma criança que havia acabado de aprender a andar e isso, ele sabia muito bem, poderia pôr em risco a vida dos dois, mas não havia  uma mínima chance para que a desistência se instalasse em seus pensamentos. O carro era um velho Opala 77 totalmente acabado, com muitos riscos, batidas e com grande parte da carroceria descascada.  Estava muito apreensivo. Um gordo alcoólatra, completamente bêbado e cheirando lixo estava assinando um compromisso com ele. A chance de tudo dar errado era grande, mas, afinal, no fim das contas, ele tinha um Opala.

Se ele havia demorado três minutos para ler um endereço, imaginem o tempo que demorou para colocar o pequeno garoto no carro com sua cadeira de rodas. O homem dirigia displicentemente. Sorte que o rádio tocava Wind Cries Marie, o que fazia com que o medo da morte diminuísse um pouco. Durante todo o trajeto, o homem havia parado quatro vezes para vomitar e quando chegaram, depois de muito tempo, ao local o dia já estava nascendo. Como tinha bom coração, o garoto ainda lhe deu cinquenta reais a mais que o combinado. O homem derramou uma lágrima de alegria e disse que ele era o único amigo que o ajudara em muito tempo. O antigo e inesgotável papo dos bêbados. O problema foi que na volta para o bar o homem bateu seu Opala com tanta força em um poste que nunca mais pôde beber. Pelo menos não mais nesse mundo.

Agora dava-se conta que estava, finalmente, no parque mais famoso da cidade. Dali há algumas horas o show começaria. A brisa da manhã e o ar puro faziam-no se sentir muito bem. Bem como não sentia-se em muito, muito tempo. Foi vendo as placas e aos poucos chegava cada vez mais perto do local do concerto. Estava exausto, mas precisava continuar. Quando conseguiu , um sentimento de conquista e alegria dominou todo o seu corpo. Havia chegado ao seu destino e, agora, precisava apenas esperar. Alguns funcionários ainda faziam a manutenção do palco e pequenos grupos de fãs já postavam-se em frente a grade. Então ele ficou ali, sozinho, no meio da grama, e cochilou.

Quando acordou, não sabia exatamente que horas eram, mas tinha certeza que estava próximo a uma da tarde. O sol o derretia aos poucos. Despertou ainda meio grogue. O show de sua vida começaria logo, logo. Tinha fome, sede e dores nos braços. Estava exausto e uma dor incomum no peito lhe incomodava, mas ele não daria real atenção ao problema. Não naquele momento.

Bem a sua frente havia um grupo de garotas conversando, rindo e chamando bastante atenção. Eram excepcionalmente bonitas e a todo momento viravam-se em sua direção  dando pequenos sorrisos. Ele tinha dúvidas. Flertar nunca havia sido um bom passatempo. Depois de alguns minutos, a mais bonita delas veio em sua direção. Ela andava como uma modelo na passarela. Tinha cabelos negros e lisos até o meio das costas. Estava suavemente maquiada e o rímel contornava com elegância seus lindos olhos azuis. Usava uma regata branca com a estampa de Ziggy Stardust. Era linda, possivelmente a garota mais linda que já tinha visto em toda a sua vida. Ficou bem na sua frente e lhe deu o sorriso mais belo e inocente que poderia. O pequeno garoto ficou perplexo. Estava nervoso e não sabia nem o que dizer. Pensou em algumas palavras tocantes, mas não teve tempo de proferi-las, pois a linda menina o bombardeou com uma pergunta pouco casual:

– Você é virgem?

O nervosismo virou raiva e a raiva o dominou por completo. O que ela queria afinal? Era cega por acaso? Era praticamente um aleijado, o que ela esperava? Teve vontade de lhe dizer a verdade e insultá-la da forma mais agressiva possível, mas era educado demais para fazê-lo. Alguns segundos se passaram sem que ninguém nada dissesse. Então ela continuou:

– Talvez seja mudo também! Tudo bem, não tenha medo! Vou lhe ensinar um pouco sobre o amor. – No momento ele deu pouco valor ao gesto, mas quando ela lentamente começou a se aproximar, o nervosismo voltou a tomar conta da situação.

A garota de seus sonhos – não que estivesse traindo Courtney, mas a partir daquele segundo podia experimentar um amor que não fosse platônico ou talvez fosse, não que isso tivesse grande importânica – lentamente foi se aproximando. Ela sentou no seu colo e o olhou profundamente nos olhos. Sua pele era clara e macia. Cuidadosamente ela tirou-lhe os óculos. Ele ainda estava um pouco cabisbaixo e envergonhado. Com o punho em seu queixo, ela levantou seu rosto e lhe deu um beijo caloroso e inesquecível. Foi um momento realmente especial. Ele estava em êxtase! Seu coração batia e ardia como nunca antes e uma alegria contagiante tomou conta de seu coração. Foi certamente uma das coisas mais incríveis que já havia experimentado. Quando o beijo acabou, a menina se levantou sem dizer uma única palavra. Deu-lhe, mais uma vez, a chance de ver seu magnífico sorriso e se foi sem, ao menos, se despedir.

Ele estava eufórico. Não podia acreditar no que havia acontecido. Sentia-se mais leve, mais vivo e, principalmente, muito mais feliz. Estava tão bem que não percebeu que as pontadas no peito se tornavam cada vez mais constantes, fortes e doloridas.

O parque já estava tomado por fãs e curiosos. Sua sorte foi ter se postado no cume de um pequeno morro, assim, apesar de estar a uma altura pequena, podia ver todo a estrutura que formaria o show. De repente um silêncio tomou conta de tudo e, então, os integrantes foram tomando conta do palco um a um. Estava ansioso e deslumbrado. Era o momento mais importante que já vivera. Dessa vez, porém, mesmo ignorando a dor, sabia que havia algo errado com seu corpo. Estava muito difícil respirar e uma dor infernal fazia com que seu braço esquerdo não se movesse. O peito dava a impressão que explodiria a qualquer momento. Nosso pequeno garoto não se importava em pedir ajuda, queria apenas ver sua musa, pelo menos, uma única vez. Os acordes de Someone Else’s Bed começaram a soar e então Courtney Love veio correndo pelos bastidores e tomou o microfone principal. Ela começou a cantar. O público delirava. Sua voz era linda e sua estrela era mais carismática do que havíamos imaginado. Nunca estivera tão feliz. Pela primeira vez sentia que a vida valia a pena, mas, ao mesmo tempo, estava ficando cada vez mais anestesiado. Estava extremamente contente. Era um momento mágico. Um momento único que havia aguardado há muito tempo.

Sentindo-se com o dever comprido, calmamente foi adormecendo. Estava cansando de lutar. Havia decidido, exatamente naquele instante, que já era suficiente. Não havia mais dor ou desespero, sentia apenas um pouco de frio. Quando seus óculos caíram sobre o colo, ele sabia que nunca mais acordaria.