segunda-feira, 20 de julho de 2009

Almas de cristal

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Ainda podia se recordar quando olhava as nuvens ao seu redor do quanto o mundo estava diferente. Talvez, antigamente, estivesse mais preparado ou simplesmente não conseguia mais se adequar as mudanças que aconteciam a sua volta.

Nascera rico, sempre tivera grandes amigos e sua família nenhuma vez abdicara de amá-lo. Não lhe faltavam paixões e tinha a imensa habilidade de nunca falhar. Não porque se esforçasse para se eternizar como uma mente brilhante, mas, sem nenhum esforço e dedicação, conseguia mostrar ao mundo que nada era impossível não importasse o que pretendia ter, fazer ou conquistar.

O mundo que vivemos é diferente para cada um de nós. Todo o sucesso, fama e valor já não faziam mais sentido. Possivelmente nunca haviam feito. Rodeado de luxo não podia ser mais solitário. Por mais mulheres que conquistasse, seu coração não ardia mais. E independente do quão competente e conhecedor do mundo fosse, não lhe abandonava a idéia que fosse o mais pobre ser entre todos nesta terra.

Contentava-se apenas em conversar com o querido beija-flor que todos os dias lhe fazia uma pequena visita ao seu imenso jardim. Passava horas na frente do espelho e já não acreditava mais no que o reflexo lhe respondia. Passou a fazer brincadeiras sem sentido e a fingir que seu coração partido e sua alma sem convicção eram apenas um brinquedo quebrado largado ao longo da estrada.

Começou a colecionar armas e a enganar os que se preocupavam com sua nova reputação. Seu confidente o aconselhava a acabar logo com tudo, mas no fundo sabia que lhe faltava coragem. Em um desses longos monólogos, passou sete horas em frente ao espelho com um revolver calibre trinta e oito apontado para sua têmpora. Fazia piadas e se divertia com algo que somente ele seria capaz de explicar. Num certo momento se deu conta que já estava exausto de tudo aquilo e que chegava a hora de descansar. Simplesmente apertou o gatilho. O corpo caiu imóvel ao chão. Ainda sorria. O espelho refletia, agora no meio do caos, o sangue que escorria por todo o quarto e a silhueta sombria de uma alma vazia e inconsolável.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um suspiro dos céus

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Estava sentado em um bar na beira da estrada. Era simples, mas belo. O ambiente era convidativo e o balcão possuía um vitrô raso e sensível que não deixava as gotas e bebidas atingirem a madeira. Não havia ninguém além de minha pessoa e o balconista que me servia. Ouvia apenas o som dos pratos e copos que eram lavados na cozinha e aos poucos bebericava meu whisky olhando a mim mesmo no reflexo do espelho das estantes que acomodavam as garrafas.

Durante o terceiro gole, escutei o ranger da porta. Virei-me e fiquei paralisado. Uma linda mulher entrou suavemente e se dirigiu até o balcão em passo lentos, diretos e sensuais. Não tirei meus olhos dela até que se sentasse. Não apenas porque o som havia me chamado a atenção, mas porque sua beleza tornava este ato impossível. Sentou-se ao meu lado esquerdo a alguns bancos de distância. Ruiva e com os cabelos lisos que fluíam sem devaneios até o meio das costas. Olhos azuis. Um corpo estonteante e um andar simplório que lhe transformava em uma figura mágica. A forma como se portava era invejável e, sem que eu percebesse, acabou me hipnotizando.

Não sabia o que fazer, mas tinha certeza que não podia deixar aquela chance passar. Chamei o garçom e pedi que servisse a linda moça uma taça do vinho tinto mais saboroso e suave que existia naquele bar. Quis acreditar que o vinho fosse algo que apreciasse. Um terrível engano. Ofereci-lhe um brinde. Levantei meu copo e a cumprimentei. Ela fingiu que não viu o meu gesto ou talvez sua imponência fosse tão grande que realmente não tenha reparado ou, sequer, percebido que eu estivesse ali. Mais um passo em falso.

Levantei-me e me sentei ao seu lado. Disse um olá um pouco sem graça e dei mais um gole no meu copo. Ela apenas pegou sua taça e levemente a levou aos lábios. Tentei uma vez mais. E novamente ela não me respondeu. Sequer virou-se para me olhar. Minhas tentativas estavam indo de mal a pior. Ela estava com o rosto virado para o lado oposto ao meu. Observando algo que ainda não conseguia ver ou sentir esperando apenas que eu desistisse e voltasse ao meu solitário mundo.

Aproximei meu rosto de seu ouvido. Podia sentir o seu perfume. Um aroma leve, livre e adocicado. Seu cabelo, macio como seda, refletia a luz do final do entardecer que entrava sorrateiramente pela janela. Sussurrei com calma e veemência. Disse a ela o quanto estava linda e quão importante era sua presença naquele lugar, que o transformava, por pequenos instantes, em um local divino justamente por ela ter, um dia, passado por lá. Lembrei-a do quanto era belo e cativante a forma como arrumava o seu cabelo e principalmente o modo misterioso e sereno que levava a taça até a boca. Uma beldade tentando convencer a si mesma de que ainda tinha cartas na manga para mostrar que podia ser mais exuberante e inesquecível do que o habitual, mesmo que para nós, meros admiradores, parecesse impossível. Por último, tentei recordá-la do quão incrível havia sido o momento em que ela havia dado o primeiro passo através da porta em direção ao balcão. O tempo havia parado por um segundo e o universo inteiro havia deixado de cumprir suas obrigações somente para poder observá-la. Afinal, poderia ser a última chance que teríamos para contemplar algo tão maravilhoso.

Pouco a pouco, voltei a minhas obrigações e deixei de importuná-la, pois não havia dito nada a ela que já não estivesse cansada de saber. Sem mais opções, aguardei para ver se minha última cartada faria algum efeito. Uma melodia suave soou em meu ouvidos e senti um leve movimento vindo de sua parte. Ela se virou carinhosamente em minha direção. Ficamos frente a frente. Por um segundo, não tive certeza do que aconteceria e um calafrio intenso cobriu todo meu corpo. Olhei no fundo de seus lindos olhos. O azul incansável dominava completamente meus pensamentos e seus olhos brilhavam intensamente. Mais belos e vivos que o último raio de luz que um cristal despedaçando pelo assoalho poderia refletir.

Sem que percebesse, nossos lábios ficaram cada vez mais próximos. Uma aura púrpura nos cobriu e, em um momento mágico, nos beijamos. Não tinha certeza sobre o que havia acontecido. Uma chuva de sentimentos e um alívio intenso tomou conta de mim. Nunca havia sentido nada igual e nunca mais conseguiria senti-lo. Uma sensação única e inexplicável que me fez pensar que, por um momento, poderia conseguir tudo o que quisesse nesse mundo sem ao menos me esforçar. Nunca mais me esqueceria. Nunca mais.

Um copo veio ao chão e se estilhaçou em pedaços. O barulho dos cacos se espalhando pelo bar foram ficando cada vez mais altos e ensurdecedores até que fui obrigado e me esquivar e proteger os ouvidos. Uma explosão silenciosa aconteceu e uma luz branca e intensa me obrigou a fechar os olhos. Não podia enxergar e nem mesmo ouvir o que acontecia a minha volta, mas aos poucos o barulho e a luz foram diminuindo até que nada mais me incomodasse. Quando abri os olhos estava em um campo aberto que abrigava apenas uma grande arvore em seu centro. Olhei em volta e não havia mais nada além da grama ao vento e das montanhas nevadas que ficavam a alguns quilômetros de distância. O tempo estava agradável e podia sentir uma leve brisa que animava o entardecer. Andei até a isolada arvore e sentei-me para apreciar as cores vibrantes do céu que somente o por do sol é capaz de nos propiciar e mais um dia em minha vida chegava ao seu fim. Mais um dia.

domingo, 12 de julho de 2009

Sociedade

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Discutíamos um assunto sobre sorte ou azar em plena terça-feira de um dia ensolarado. Sentar no bar e tomar cerveja em uma das mesas da calçada tinha sido uma ótima escolha. O dia estava propício para isso.

Havia um certo conflito na opinião de cada um, parecia não ter nenhuma maneira de entrarmos em um acordo. Em meio há gritaria e discussões, foquei meu olhar para uma garota que passara correndo exatamente na nossa frente. Com uma saia indiana, chinelo rasteiro e o cabelo preso com um lápis ela corria. Sua bolsa pulava de um lado para o outro, e com livros na mão foi em direção ao ônibus para alcançá-lo. Sua beleza talvez tivesse ficado em segundo plano. Correu e seu esforço foi recompensado.

“Só mulher gente boa corre atrás de ônibus, não tem como negar que ela ganhou alguns pontos positivos”, alguém falou. Tinha pensado exatamente a mesma coisa. Expressei minha opinião dizendo que tinha concordado com sua idéia e o assunto morreu por aí. Simplesmente ela passou e eu fiquei. Assim são alguns trechos mal escritos na nossa vida.

Passamos metade da nossa vida com a cabeça encostada no travesseiro. Reclamando daquilo que estamos fazendo, que vamos fazer ou que deixamos fazer. Grande maioria é facilmente manipulada por conceitos alheios e cada vez mais deixam de expressar suas opiniões.

Acabei minha cerveja e despedi-me de todos na mesa. Era hora de se retirar e tocar minha vida. O vento não ajuda a empurrar quem prefere ficar parado. Passam-se os dias e eu ainda não consigo me acostumar com determinado fatos. Eu realmente não nasci para agradar os conceitos da sociedade.