quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Despedida marcada

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Gostaria de lembrar o meu verdadeiro nome. Já fazia algum tempo que não a via, mas ela continuava linda. Talvez ainda mais incrível do que antes e, certamente, jamais seria capaz de perder tamanha beleza. Sentia-me feliz em poder ver que seus atributos rendiam-lhe grande admiração. Um brilho no céu e uma lágrima nos olhos. O último beijo foi o mais intenso e também o mais doloroso.

Lembrar, sentir, voltar, viver
Tentar, sorrir, chorar, correr
Doar, pedir, ganhar, vencer 
Lutar, medir, gostar, dizer
Sonhar, curtir, mostrar, fazer
Olhar, ouvir, ficar, temer
Tocar, fugir, dançar, querer
Andar, surgir, estar, sofrer
Beijar, partir, deixar, colher
Passar, abrir, transar, nascer
Pensar, dormir, cobrar, trazer
Deitar, seguir, trocar, mover

Ela se virou e sorriu. A leve brisa trouxe-me seu inesquecível aroma mais uma vez. Restavam singelas dúvidas, pois ainda me era impossível explicar o que realmente é o amor. O sol se pôs e o trem, finalmente, partiu.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Movimentando-se

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O elevador aos poucos ia se movimentando em baixa velocidade, quase que parando, até o destino assim desejado. O ambiente, que na madrugada, de tão quieto que se encontrava podia-se ouvir a respiração ofegante de um fumante compulsivo e sedentário. Naquele momento temia que o elevador parasse em qualquer andar que não fosse o seu, se baseando em algum roteiro de filme de terror, olhava fixamente, janela por janela passando. Oferecendo-lhe alguns cigarros e trocando histórias pela madrugada o porteiro da noite liberava a chave da cobertura. Um gesto um tanto que amigo para quem estava precisando.

Abria a porta e enfim estava em um espaço, parecendo que reservado, só dele. Alguns metros quadrados a exatamente treze andares das pessoas que caminhavam na rua, cercado por grades um tanto que peculiar. Estava preso assim como suas idéias. O vento que tocava suavemente seu rosto gélido contrariava a idéia do “estar preso”, dizia que enfim podia tentar novamente. Agora se colocando em posição de elogios, ao qual almejava, quase que gritando dentro de si, para que os outros enfim escutassem.

Em uma sequencia de passos firmes chegou à beirada e olhou o mar de luzes na sua frente. Diferente de Amélie Poulain, não imaginava quantas pessoas estavam tendo orgasmo naquele momento, e sim quantas pessoas estariam no alto de um prédio pensando quantas pessoas estariam também no alto de um prédio, fazendo exatamente a mesma pergunta que ele.

Insônia. Que te abandonara enfim o bom filho a casa torna. Em uma tentativa frustrante de acender um cigarro no alto de um prédio, com fósforos, o fez repensar o quão difícil é a vida. Exigente com tantos mortais, cobrando de tantas pessoas boas e beneficiando tantas outras ruins.

Havia garoado um dia antes e a poluição tinha se propagado, deixando amostra algumas tímidas estrelas para ele poder olhar, talvez sem razão, para elas. Pensou em anjos, cometas, aviões, OVNIS, pássaros, "Wild Horses” do Rolling Stones, na lua, nela, ou qualquer coisa do gênero que se pode lembrar quando se olha para o céu, em uma madrugada de inverno.

O celular um tanto que inquieto o fazia pensar que sua companhia não andava muito requisitada. Pudera, estava sentando na madrugada de sábado para domingo na cobertura de um prédio quieto e consolador.
Pequena história de um grande homem que não entende seu presente, pois o tema de seu romance é escrito com seis letras. Com a ponta de cada um dos cinco dedos conseguia tocar com cautela o mundo naquele momento. Tocou, o agarrou e puxou para si.

Estava para amanhecer, não arriscou para esperar o nascer do sol. Deixou uma parte de si lá, como deixa uma em cada lembrança. Com cautela, sem ao menos ninguém notar, estava aos poucos se transformando de adjetivo para metonímia.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Feriado prolongado

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O cigarro passava de mão em mão enquanto percorríamos a estrada. A cerveja no porta copos a minha direita era uma ótima saída para acompanhar a conversa. Como sempre, estava no banco do passageiro fazendo a seleção musical e organizando alguns pensamentos. Plastic Zoo, mais uma vez, assim como eu, continuava em seu lugar habitual: tocando no rádio a um volume considerável e empolgante. Havíamos comprado mantimentos, planejado os eventos posteriores e ansiávamos por um feriado promissor.

Já estávamos quase a uma hora na estrada quando problemas não esperados passaram a acontecer. O carro apresentou falhas e ameaçava desligar a qualquer momento. Olhamos o painel e percebendo o quanto tínhamos sido estúpidos, pois não paramos para abastecer. Não colocar combustível foi apenas uma das inúmeras idiotices as quais nos sujeitamos. Também nos demos conta de que o ar condicionado estava acionando durante todo o trajeto, consequentemente, gastando a gasolina, que não tínhamos, ainda mais rápido.

Não preciso me aprofundar na forma como ficamos apreensivos. Love Don’t Love Nobody fazia a trilha sonora do desespero ao mesmo tempo em que pedíamos aos céus para que um posto de gasolina surgisse a qualquer momento, mas, obviamente, em um certo ponto, o automóvel falharia para não mais funcionar e, claro, isso aconteceu. Estávamos na segunda faixa da esquerda e atravessamos até o acostamento, passando por duas faixas relativamente movimentadas e com o motor completamente desligado. Uma boa manobra de nosso motorista. Tivemos um pouco de sorte e conseguimos estacionar exatamente no ponto onde havia um telefone de socorro. Ligamos o pisca-alerta e fui incumbido de  pedir ajuda. Quando me postei em frente ao telefone, enxerguei apenas uma grade amarela. Não havia números, gancho e nada que fosse semelhante a um aparelho de telefone normal. Simplesmente não sabia o que fazer e acabei desistindo. Pensando melhor, era possível perceber que minha sanidade não andava 100% àquela altura. Mais uma burrice para completar a noite. Olhei as estrelas e conclui que, realmente, o amor não amava ninguém.

Coloquei os pensamentos em ordem e decidi usar o cérebro para algo útil. Telefonei para o 102 e consegui o número da administradora da estrada daquela região. Expliquei-lhes a situação e consegui que mandassem uma rota para averiguar o que havia acontecido. Quando fui avisar que algo bom tinha, finalmente, ocorrido, vi meu companheiro conversando com a grade amarela. Ele, ao contrário de mim, conseguiu usar o telefone de alguma forma que eu não podia entender. Assim que terminou, supliquei para que me mostrasse como utilizá-lo e ele me indicou um gigante botão vermelho que ficava logo abaixo da grade. Ainda não sei como não consegui vê-lo. Existia, agora, dois pedidos de socorro para o mesmo local. Nada mais precisava ser dito.

Aguardamos cerca de dez minutos até que a ajuda chegasse.  Um socorro bastante eficiente, pois pensava que ficaríamos esperando por algumas horas. A rota levou meu amigo até o posto mais próximo para que nosso pequeno problema fosse solucionado. Tive que aguardar ao lado do veículo até que retornassem.  Depois de mais alguns minutos um caminhão guincho se aproximou e parou em frente ao carro. “Meu Deus! E agora?” Não podíamos levar o carro, porque logo, logo retornariam com o combustível e estaríamos prontos para partir. Expliquei isso ao funcionário, mas ele já sabia do problema. Disse apenas que não poderia me deixar esperando sozinho já que estávamos em uma área de risco. Pelo rádio, avisou a rota que nos encontraríamos todos no próximo posto. Colocar o carro no caminhão foi mais um dos doze trabalhos de Hércules. Eram muitos botões e mecanismos para uma pessoa no estado que me encontrava, porém, com um pouco de concentração, tudo correu razoavelmente bem.

O posto de gasolina mais próximo encontrava-se, para nossa sorte, ou azar, a apenas três ou quatro curvas adiante. A rota estava lá e o caminhão guincho se aproximou. Descemos o automóvel e colocamos a sagrada gasolina. O carro voltou a funcionar e decidimos partir. Não tivemos que desembolsar um centavo sequer. O pedágio custara apenas R$ 2,40. Um serviço de qualidade! Agradecemos e recomeçamos a viagem pensado que tudo seria diferente dali para a frente.

A neblina estava um pouco acentuada durante a serra, mas tudo parecia andar bem. Parecia. De repente freiadas bruscas, carros fugindo pela contra mão e um risco eminente de engavetamento. O exímio motorista jogou o carro para esquerda e desviou-nos do perigo. Foi um susto inesperado, que voltou a nos atormentar mais duas vezes, e da mesma forma, durante o caminho. Ainda tenho minhas duvidas sobre o que realmente aconteceu, mas quero acreditar que o condutor não foi negligente em nenhuma delas. De qualquer forma, não estava nas condições ideais para analisar a situação com a profundidade necessária.

Após alguns contratempos, conseguimos chegar, inteiros, até o litoral. Estávamos agradecidos por ter superado todos os obstáculos. O sacrifício havia valido a pena e agora tínhamos quatro dias livres pela frente. Sossego, festas e diversão.  Mais um cigarro foi aceso antes de fugirmos para o descanso final.

No dia seguinte, assim que levantei, lembrei-me da noite anterior e fui até a varanda para analisar o clima. Estava otimista, mas obtive uma imensa decepção. O céu estava nublado, o tempo chuvoso e a temperatura abaixo dos dezessete graus. Não era nada do que estávamos esperando. Não mesmo. E assim continuou até o fim do feriado.