segunda-feira, 29 de junho de 2009

Uma forma triste para dizer adeus

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É verdade que fiquei um pouco ausente nos últimos dias, meses e anos. Não porque era essa a minha intenção, mas, porque, apesar de nunca estar fazendo nada, acabo sempre fazendo tudo ao mesmo tempo.

Deitado na cama, conseguia avistar um pássaro cinzento de penas brancas isolado no parapeito de minha janela. Sozinho e contemplando sua imensa solidão, ele ficava imóvel, talvez refletindo sobre o que havia feito de realmente importante em sua vida e recordando os sentimentos que não mais o aqueciam e, que agora, apenas lhe deixavam um vazio obscuro em seu coração. Talvez. Mas nunca saberemos o que um animal livre e solitário como esse poderia estar realmente sentindo.

Mesmo perdendo alguns minutos a observar, cheguei a conclusão que me senti um pouco mais alegre e com alguma inveja de sua imponência. A sensibilidade em meus ouvidos estava cada vez maior e já conseguia ouvir os risos das crianças que brincavam na esquina a vários metros de distância. Os risos se aproximavam e o pequeno pássaro, atento, observava o mundo enquanto, em pequenos lampejos, enfiava graciosamente o bico entre as asas uma vez ou outra para quebrar o tédio. Os risos continuavam e estavam cada vez mais perto. Cessaram exatamente embaixo de minha janela. Peguei o violão e dedilhei algumas notas. O pássaro de penas brancas finalmente quebrou sua postura e virou-se em minha direção. Olhou-me e grunhiu de uma forma tão sincera que pude sentir que estava me dizendo adeus. Mas por que comigo? Por que naquele momento e daquela forma?

Ouvi apenas um tiro. O violão caiu de minhas mãos e o pássaro havia sido perfurado por uma minúscula bala de chumbo em seu pescoço. Sua cabeça titubeou com o impacto e ficou dependurada. Os olhos ainda abertos, mas já imóveis não demonstravam mais nenhum sinal de vida. O pequeno animal já não era completamente cinza e suas penas brancas, agora, estavam manchadas pelo seu próprio sangue e pela crueldade de uma criança que apenas queria se divertir. Ele girou e caiu para o chão como uma estrela cadente em seus últimos segundos de brilho e aterrissou ao chão no mesmo instante em que o violão se debateu contra o assoalho. Já não estava mais entre nós.

Corri para a janela, com uma raiva que jamais havia sentido. Tinha perdido algo dentro de mim, mas ainda não sabia o que era e que ainda, apesar dos anos, não descobri o que foi. Um grupo com cinco garotos riam e se exaltavam com o feito. No meio deles um garoto loiro, bem vestido e com uma arma na mão. Era o líder e o autor do crime. Olhei diretamente em seus olhos azuis e consegui sentir a maldade em suas intenções. Possuía um sorriso malicioso e perverso. Senti um calafrio me percorrer a espinha. Estava com vergonha do ser humano e por pertencer a mesma raça daquele franzino menino. Há quem diga que possamos ver Deus no resto de uma inocente criança, mas não estava preparado para encarar um pequeno demônio de frente. Ele se virou e andou lentamente até dobrar a esquina. Seus capachos se apressaram e o seguiram sem pestanejar. Foi a última vez que os vi na rua, mas ainda posso ouvir claramente os risos ecoando.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Confinamento - Final

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No dia seguinte retomei o que estava fazendo. Cada dia que passava se tornava mais difícil terminar a carta. Sabia que ainda iria tomar uma rasteira da minha compaixão. Infelizmente ainda continuo preso aqui. Achei que seria necessário limpar novamente a poeira sobre os livros. “Tinha uma vida dupla? Ou uma dupla personalidade?”. Antes mesmo de continuar peguei um livro na estante, na esperança de achar algum que eu não tenha lido no mínimo três vezes. Eu ainda continuo preso aqui.

Entre os preferidos estavam muitos romances. Romance é muito mais do que escrever, não é uma fábula inventada por qualquer um apenas para entreter, é algo que precisa ser sentido, vivido. Tinha me perdido nessa matéria, cheguei atrasado, cabulei demais. Peguei a caneta em minhas mãos e escrevi na folha:

“Resumindo a conversa de muitos assuntos e poucas palavras. De repente eu assisto, novamente, tudo por cima do muro. Eu deixei de temer meus medos, só que nunca deixei de respeitá-los. Mudando um pouco de assunto, não sei se você gosta de Bob Dylan. Comecei a ouvir bastante e agora prestei um pouco mais de atenção nas letras. Sabe, às vezes, em uma fase qualquer algumas bandas tornam-se trilha sonora do nosso dia-a-dia.”

“Cansei meu amigo. Cansei de ter razão. Cansei de ser incompreendido. Cansei de estar sempre na linha de tiro e estar sempre com a cabeça erguida. Talvez o único que se manifestava na hora ruim, sem qualquer pensamento esperando um favor em troca. Quantas vezes omiti a verdade e sofri as conseqüências com isso. Que inconseqüente não acha?! Ser o alvo principal apenas para manter o ciclo de amizade. Que ironia, talvez agora eu veja que nem todos merecem meu sacrifício. Cansei de ser o coringa do baralho, de ser uma sombra no escuro. Já foi tempo que fui humilhado e me humilhei. Minhas poucas palavras são apenas uma pequena parte de minha defesa. As suas talvez eu seja o que mais saiba e o que menos compreende.”

“O confinamento ainda continua e eu infelizmente ainda estou preso aqui. Só que nesse tempo superei um medo. Possivelmente sim ou talvez até não. Nunca achei que seria necessário passar por isso, só que estou cansado demais. Não foi culpa minha outra vez, não busquei superá-lo, simplesmente aconteceu. Superei o medo de perder amigos.”



Confinado há exatos 7 meses, 23 dias e algumas horas.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Confinamento 2º Parte

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Havia manchado toda minha mesa, já deve ser a segunda ou terceira vez que isso acontecia. Era um hábito escrever no papel e depois passar para o computador. Reuni tudo em volta e organizei, sabendo que minutos depois estaria em total bagunça novamente. Como todo bom mortal, em um momento de inspiração, resolvi por um minuto descer até a banca para comprar o jornal diário. Desta vez optei pelo de esportes, não estava com paz de espírito para ler sobre notícias ruins, eu já falava demais por elas. Cumprimentei o zelador, o porteiro, a síndica e a faxineira. Era outro hábito ser humilde também.

As pessoas de casa tornaram-se um pouco vazias para mim, mas nunca deixei de amá-los. Eu estava somente na minha fase onde você torna-se desconhecido de si próprio. Achava que certas crises, fases ou como qualquer definição desse tipo acontecia somente com os outros. Me enganei, e quando percebi já estava envolvido nela por inteiro.

Situações é que fortalecem os homens, sem crise, jamais seriamos quem somos hoje. Desempregado, roupas em total desgaste, bloqueio da conta no banco, refeições sem mistura, telefone somente recebendo ligações e morando de favor. Podia-se dizer de passagem que não era uma das melhores situações. Apesar de tudo isso talvez não houvesse motivo para se reclamar ainda. Esqueci tudo e voltei ao papel e caneta.

Descobri que costumo escrever como eu penso, sem colocar ou tirar nenhuma palavra. Interessante não?! - Poucas vezes tenho que reformular a frase que escrevo. Parece que sempre sai completa da maneira como eu gosto, mas não vêem ao caso agora não é mesmo?! – Mas voltando para nossas realidades, apenas queria te dizer algumas palavras só. Nunca escondi que de fato minha preferência foi sempre ser pessoalmente. Mas como não há outro jeito, tento dessa maneira.”

“Pior do que qualquer agressão física, a maior de todas as dores é a da vergonha. E de um amigo tão querido não só é uma surpresa como vira uma rachadura dentro da alma. Sempre achava que seus erros eram involuntários. Mas de repente andou se tornando freqüente demais, e por motivos menores ainda. Sabe amigo, a maioria das pessoas que a gente tem contato pelo menos uma vez falaram como agüento tal desaforo. Eu não agüento, eu simplesmente esqueço.”

Decidi então parar. Levantei-me e fui tomar um banho. Tem dias que nem tudo merece ser escrito como realmente é.