terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Quando alguns querem que você não saiba

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“O mercado das almas está aberto a qualquer mortal que queira vender a sua em troca de um lugar onde não haja trânsito, alagamento e superlotação de transporte público” – Disse o sujeito que aleguei ser um morador das ruas. Bob Dylan aos meus ouvidos fechava o clima presente no momento. Meus tênis e minhas meias não resistiram à revolta dos céus. A natureza usa esses meios como forma de aviso aos que deveriam cuidar dela, por isso vingança não é um nome que se encaixa.

Era uma noite chuvosa de domingo e quase perdi o ultimo trem de volta para casa. Esperava na passarela o mêtro chegar, enquanto visualizava em volta esperando alguma movimentação. Sem sucesso, tinha apenas um casal de namorados sentado ao fim, abraçados e quietos. Eis que então chega o trem, entrei e sentei no banco mais próximo de mim. O vagão estava completamente vazio, lá tinha apenas minha pessoa com o tênis e as meias molhadas.

O trem seguia e passava algumas estações que já se encontravam fechadas, para minha sorte o meu destino, e a única aberta, era a estação final. Ali naquela paz me senti um pouco só, o que me fez sentir um arrepio estranho. “Porra, que conversa besta!” – discutia com minha consciência. Se eu dava uma de louco ou não dava, não fazia a mínima idéia de como eu entrava em contradição com a própria consciência. Apesar de ser maduro ainda brincava bastante com minha imaginação, apenas mentalizava e pronto, tinha uma cena na cabeça. Muitas delas era eu dando um chute na bunda de algum pilantra sem-vergonha que enchera meu saco ao longo do dia.

Deixei o receio de lado e aproveitei o vagão só para mim. Viajei em algumas ideais malucas, do tipo que você só imagina quando está sozinho em um lugar público. Um senhor escrevia no seu caderno, olhou e sorriu para mim. Em seu caderno tinha algumas inicias, eram elas “C.D.A”. Do outro lado havia um senhor negro tocando alguns acordes de blues em uma Gibson 335, virou para mim e disse – Tá vendo essa belezinha aqui! Eu a chamo de Lucille. Um cachorro batia em uma velha maquina de escrever, acompanhado de um pássaro amarelo no seu ombro.

Escritores são destinados a abusar de sua imaginação, mas eu exagerava. A criança dentro de mim ganhava espaço nessas horas, e a loucura era algo relativo. Depois de um tempo, comecei a se pilhar dormindo e sonhando que estava dormindo, ou desperto, mas desconfiado de que talvez estivesse dormindo.

Enfim cheguei ao meu destino com as dúvidas de sempre. Sai da estação quieta e vazia, que me fez voltar, por alguns minutos, a ser criança novamente. Caminhei em passos tímidos sob o chão molhado de uma noite chuvosa de domingo. A noite me abraçava carinhosamente, envolto de um clima agradável para mais uma caminhada até em casa.

2 comentários:

Batata disse...

Paolo, eu não sabia que você escrevia. É uma agradável surpresa essa. Acompanharei seus devaneios e pensamentos de agora em diante. Muito bom! Abraços! :D

Angel disse...

Belo jeito de "aproveitar" o retorno! Se é inevitável, que ao menos seja divertido! Muitos devaneios, hein? Tive que ler duas vezes a parte do estar dormindo... rs.

Ótimo texto, Paolo! Espero que a natureza dê uma tregua, que a volta para casa não tenha que ser feita com tênis e meias molhadas, só com a boa e velha imaginação de sempre.

Abraços!