quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Quando se Desce Ladeira Abaixo

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Caminhava ladeira abaixo perseguida por uma terrível geada. Um dos relógios de rua apontava 10°C e eu era o único ser humano que caminhava nas ruas em um perímetro de dez ou treze quadras. Certas horas da noite não existem mais calçadas, não sei o motivo, mas em pequenas ruas tinha a preferência de caminhar pela rua beirando a calçada. De madrugada o receio de ser surpreendido por um cão mal-humorado ou um mendigo dormindo talvez sejam alguns dos motivos. O pior seria um mendigo com um cachorro. Não muito difícil de acontecer.

Ainda descia, quando fazia minhas pernas as únicas aliadas na volta para casa. Fui pego de surpresa, por um descuido de um sujeito que tinha deixado, para minha infelicidade, o portão de sua casa aberta. Um cão não muito sociável apareceu, encarava-me como se fosse o mais temível de seus inimigos, para minha surpresa mais uma vez. Não era diferente de alguns cães que eu conhecia, como de uma vizinha minha. O cachorro, que era uma mistura mutante de dogue alemão com um “tilofossauro rex” (na verdade nem existiu um tilofossauro rex , e sim uma expressão usada pelo meu pai para citar animais extremamente grandes, e não diferente dele gosto de usar essa palavra). Lembrei que ainda continuava em sinal de perigo. Como mal conseguia caminhar imaginei que correndo seria, talvez, um pouco diferente, pois em uma fração de segundos calculei na minha mente, mais ou menos, aquela equação absurda de uma física básica que correndo eu teria mais equilíbrio do que andando. E obviamente minha fuga seria mais rápida, imaginei. Merda. Nunca fui bom em física, havia me lembrado. Se pelo menos tivesse do meu lado aquele nerd, que era gênio em física, química, matemática entre tantos, mas infeliz no amor. Ele poderia ter dado aquela força e me lembrar que eu era uma causa perdida em física. Que segundo os dias de hoje – “Sem sorte no amor, feliz nas exatas” - No colegial era bem aplicada essa frase. Somente a queda me fez parar de ter nostalgia.

Não havia visto, ou pensei que não havia visto aqueles pequenos arcos que enfeitam aquele lindo jardim na calçada da residência. Não mesmo. Então em uma crise de epifania, João do Pulo me deu algumas dicas para superar meus obstáculos. Pulei uma, duas, na terceira você sempre roda. Havia superado dois de três obstáculos, o cachorro estava de focinho aberto quando, enfim, seu desejo havia sido concretizado. A noite foi tomado por fantasmas do passado (literalmente). Se por um lado, João do Pulo tinha facilitado meu lado com algumas dicas, por outro o espírito do Bob, o construtor havia reencarnado e em uma fração de segundos construiu um arco (do triunfo, mas essa colocação na era das melhores no momento), muito maior que os outros. Foi onde me pé pisou em falso, não satisfeito de presente ainda ralei a canela quase até o joelho. Interessante que me esqueci da canela bem rápido, pois não conseguia me concentrar com o bafo do cachorro na minha cara.

A briga era injusta. O tamanho dos oponentes era desigual. O cachorro era duas vezes maior que eu. Sem exageros. Eu agarrava pelo seu pescoço enquanto ele tentava morder minha cara. Tinha receio de tirar uma de minhas mãos para poder executar alguns socos, e o medo estava me fazendo apertar tão forte que talvez eu tivesse alguma vantagem. Meu jiu-jitsu não estava atualizado, não havia condições de eu conseguir sair de baixo. Provavelmente o dono era um daqueles boladões sem massa cefálica, um por deixar o portão aberto, e outro por ser daqueles idiotas que ficam rolando e brincando de jiu-jitsu com ele. Que pro sinal estava bem preparado. Podia parecer estranho, mas começava a gostar da brincadeira. Dei-lhe um soco, tentei lhe enforcar, chutar seu saco e até morder. E o cachorro sempre em vantagem.

A briga tinha virado de gente grande, já tinha aquecido minhas juntas e engenhava um arm- lock voador giratório. Quando estava preste a finalizá-lo senti um movimento diferente. Afastei um pouco sue cabeção e reparei que ele estava fazendo movimentos com a parte traseira. OPAAHH, para a canção, mandei cessar a canção!! – Que porra é essa. “Cão, o taradão da madrugada”. Era incrível como o mundo conspirava sobre mim.
O momento de irritação fez-me ter uma incrível força, sendo o suficiente para chutá-lo longe de mim.

- Vai pfftoma nouu CÚÚÚÚÚ!!! – Babava e tentava gritar ao mesmo tempo – Cão filho da puta!!

Pronto, intimei. Saiu correndo para dentro do portão. Cuspia alguns pêlos que estavam na minha boca enquanto batia as mangas da blusa com minha mão. Estava tão puto que trotava igual a um cavalo. Voltei para casa indignado com o acontecimento, com o tamanho daquele cachorro ele podia ter feito um estrago em mim. Nessa hora pensei ter tido sorte por não usar saia.

Mas enfim tudo estava nos conformes, e ri quando imaginei o que o tal boladão andava brincando com esse cachorro. O reflexo do dono se espelha em seu cachorro. Os meus só sabiam comer e dormir.

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