sábado, 24 de abril de 2010

Ressaca de emoções

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Acordou com o sol queimando sua retina. Estava desnorteado, sem lembranças e em um lugar muito longe de casa. Ouvia o barulho das ondas e sentia o calor infernal. Estava jogado na praia sem documentos e apenas com as roupas do corpo. Somente algumas peças. Uma camisa branca cheia de marcas de batom e sua inseparável calça jeans. Os tênis? Se não lembrava os acontecimentos recentes da noite anterior, jamais poderia recordar o verdadeiro destino que seu surrado calçado poderia ter tido.

Levantou-se com dificuldade, olhou o mar, apanhou as duas garrafas vazias do chão e se dirigiu até a estrada. Pelo caminho, batia nas roupas para tirar a areia e lutava para combater o cansaço. Estava com uma sede incrível e algumas pontadas inconvenientes no lado esquerdo da testa. Era uma dor que realmente incomodava. A ressaca, desta vez, era das grandes. Ao mesmo tempo em que implorava ao mundo por um óculos escuro, perguntava-se onde havia encontrado tanto dinheiro para comprar uma garrafa de Jack Daniel's e um belo Rosso di Montalcino.

Os fios castanhos e desajeitados de seu cabelo brilhavam cada vez mais e os olhos suplicavam por um momento de lampejo. Sua camisa estava carregada com um perfume único, mas irreconhecível. Uma fragrância suave e muito natural. Lembrava-se apenas de uma linda garota de cabelos negros e olhos azuis que dançava ao seu lado. Por um momento se entregaram a uma troca de olhares mútua e sorriram discretamente. Aproximaram-se lentamente, tocaram levemente as mãos e beijaram-se no terraço. A lua os observava com atenção e no meio do baile todos paravam por um momento para apreciar o romance com um pouco de carinho e admiração. Mas eram apenas essas suas ultimas lembranças. Não recordava nomes, muito menos o que havia acontecido desde então.

Chegou na calçada e jogou as garrafas no primeiro cesto de lixo que encontrou. Não tinha noção das horas, mas era um belo dia e muitas pessoas passeavam pelas ruas. Os mais diversos tipos apenas aproveitando um pouco mais a vida. Todas as pessoas que cruzavam o seu caminho acenavam com dedicação e lhe dirigiam grandes sorrisos. Lindas garotas trocavam olhares insinuantes pela estrada afora fazendo com que o longo caminho se tornasse menos tedioso. O porque de tudo isso era um mistério bastante prazeroso.

Talvez tenha demorado uma hora e meia para chegar até em casa. Ainda estava perplexo com a reação de todos. Virou as chaves vagarosamente e atirou-se ao sofá para descansar e refletir. Uma velha canção voltou a ecoar em sua mente e ele se sentiu obrigado a ir até o piano para tocá-la mais uma vez. Era uma bela música, afinal ele a tinha feito para uma linda garota que, por sinal, nunca se importara muito com a composição. Ele obteve apenas um simples obrigado como resposta. Isso, realmente, o deixava perturbado. Não porque esperasse que ela se atirasse a seus pés ou lhe admirasse com um grande amor, mas porque necessitava que dessem um pouco de valor ao seu gesto. Será que ela não percebia que, mesmo daqui a cinquenta anos, possivelmente, ninguém mais faria algo semelhante? Ele deixou claro que não correria mais atrás, já que, por seus princípios, tinha certeza que não valia a pena insistir quando não compreendiam suas intenções. Isso feriu o orgulho da menina de uma forma tão grande que nunca mais ela quis lhe olhar nos olhos. Ela, provavelmente, desconhecia o verdadeiro motivo de sua raiva.

Seu orgulho chegava a ser até maior que o rancor dela, o que fazia com que ninguém tentasse uma nova reaproximação. Não que fosse necessário, mas era trabalhoso fingir que o outro não existia quando passavam a dividir o mesmo ambiente alguma vezes. Era um desconforto desnecessário, mas que ambos disfarçavam não sentir. Porém, ainda havia algo que ninguém poderia negar: mesmo com a indiferença, ela continuava linda.

O último acorde foi tocado e ele se levantou satisfeito por suas próprias habilidades. Tinha orgulho de sua criatividade e, principalmente, de tudo o que escrevia. Foi até o bar e preparou uma pequena dose, afinal já estava escurecendo e mais uma grande noite chegaria. Foi até a vitrola, escolheu um ótimo disco e o colocou para tocar em um volume razoável. Sentou-se novamente e chacoalhou levemente o copo. Tomou um grande gole e voltou a apreciar a vida. 

Um comentário:

Ana Lins disse...

Essa garota devia ser nova-iorquina enrustida. Talvez não tenha sido o romatismo quem morreu, mas sim a paciência para ele... Vai entender, essas mulheres!

Nice work, by the way. :)