segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Insana consciência

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Sua cabeça estava inundada com idéias sem nenhum propósito e o corpo extremamente exausto com o excesso de autoflagelações. O cabelo comprido e imundo jogado sobre as costas, os olhos verdes sem o mínimo de sentimentos e a barba por fazer há dias lhe deixavam com um aspecto sombrio e, ao mesmo tempo, comovente. Submerso em um mundo imaginário, não tinha mais tempo a perder com as futilidades de uma vida normal.

Já não se lembrava mais de seu próprio nome, afinal já fazia alguns anos que ninguém o chamava. Emoções? Talvez não houvesse sobrado nenhuma além do vício e desespero. O amor não fala tão alto assim quando o peso das pedras de crack em seu bolso chega a ser mais importante do que sua própria vida.

Sentado apoiando as costas sobre a porta de entrada de seu apartamento, não lhe passou, um momento sequer, pela cabeça como um ser humano é capaz de viver com apenas um colchão e um par de velas e fósforos ao lado das seringas e colheres espalhadas pelo assoalho em uma propriedade que já fora rica, mobiliada e cheia de amor e felicidade. Talvez se ainda fosse uma pessoa normal tivesse tais pensamentos, mas a realidade era algo distante em sua vida há um bom tempo.

Vestia apenas uma bermuda. Banho era um luxo que geralmente surgia quando o temporal inundava as ruas enquanto travava uma busca contínua para se entorpecer um pouco mais. Seu estado mental não era dos melhores e analisando um pouco seu dia a dia podíamos observá-lo conversando e proferindo palavras sem sentindo:

– Um pouco mais, por favor! Seja cuidadoso para não me interromper enquanto aprecio esta obra... Crowe, Hendrix, Gallaghers, Robinsons, Bukowski, Kurbic, Warhol, London, Zemeckis... Kerouac, Jackson, Humble Pie, Di Giorgio, Fender, Brown... 2001, Almost Famous, Amorica... Só um segundo Glória, já está quase no fim!

Este ritual atípico continuava por horas ou até dias. Como tudo chegou a esse ponto? Nem mesmo eu saberia dizer, mas não é preciso pensar muito para descobrir como tudo iria terminar. A agulha estava fincada em seu braço direito, porém a dose ainda não havia sido injetada. Essa parecia um pouco maior e muito mais forte do que todas as anteriores. Após diversas overdoses e de ter tido oportunidade para enfrentar e debochar da morte inúmeras vezes, era fácil deduzir que, depois de 4 anos jogado no limbo, esta seria a viagem final.

Apesar de saber exatamente o que fazer e qual resultado tudo teria, ficou imóvel algumas horas até criar coragem para aplicar a dose que lhe libertaria. As lagrimas escorriam por seus olhos e molhavam seu rosto acabado e envelhecido enquanto pressionava a agulha e injetava seu “passaporte para a felicidade”. Uma bomba de adrenalina inundou seu peito, sua cabeça foi tomada por uma dor assombrosa e a luz da vida se apagou em um último flash. Sua mão caiu sobre o chão e ele dormiu para nunca mais acordar.

A polícia local o encontrou somente três semanas depois. Só se deram conta do que havia acontecido, porque o cheiro da morte já empesteava todo o prédio. A seringa ainda estava em seu braço. Procuraram por sua família e pesquisaram sobre seu passado, porém nada foi encontrado. Sem nome e sem vida, foi enterrado como mais um indigente destruído pelo caos de uma grande metrópole. Ninguém, além de nós, o “conhecia tão bem”, e nenhuma falta ao mundo ele realmente faria, mas era possível perceber que, agora, finalmente, ele havia se tornado um homem livre.

3 comentários:

Ana Lins disse...

Potaquelamierda...

Keyla Galvão disse...

Oi! Ando te visitando com tanta frequencia... te achei sem querer e me identifiquei demais com sua forma de expor as palavras, realmente me faz viajar. Estou te seguindo no meu blog. Tem post novo lá no meu blog, comente quando poder http://decorpoalma.blogspot.com . Bjos pra ti.

Anônimo disse...

Demais, demais!