sexta-feira, 6 de março de 2009

O primeiro e último encontro

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O sol escaldante me fazia desistir de todos os meus planos. Era um belo, mas ao mesmo tempo, ocioso dia. Alguns inimigos haviam dado as caras e me recordado que, dependendo da situação, o dia seguinte pode não mais chegar. Comecei a prestar mais atenção ao movimento nas ruas e percebi que não vale nem um pouco a pena perder tempo se preocupando.

Quando desci do ônibus, me dei conta que o ar estava diferente. Pesado e rarefeito. Talvez um reflexo de minha alma. Perdi alguns minutos olhando o céu e depois mais alguns outros observando as garotas que se exercitavam na academia em frente ao ponto. Não importa qual seja a situação, o instinto sempre prevalece.

Parei em um daqueles decadentes bares e perdi um bom tempo jogando conversa fora, mas a cerveja já não descia mais com o mesmo gosto. Tentava descobrir o que estava errado. Em um esforço sem igual, concentrei-me ao máximo para encontrar o problema. Foi uma tentativa inútil. Dei o último gole. Uma navalha parecia cortar minha garganta. Sábia que era tudo obra de minha mente, mas o sabor do sangue me despertou.

Corri e corri pela rua atrás de algo que nem sabia o que era. Feliz e atordoado pensando em como faria para sentir aquela sensação novamente. De repente visualizei um grande lampejo de luz e pude ver aquele rosto nitidamente. Era incrível. O mundo parecia melhor por um breve momento. O tempo parou por um segundo. Ouvi uma grande freada e vários gritos de desespero. Quando me virei, só pude ver o capô do carro se aproximando. O barulho do impacto foi muito maior que a dor que deveria ter sentido. Voei como um pássaro em queda livre. Rolei pelo chão por uma quinzena de metros e parei encostado na sarjeta como um bêbado em busca de um sono tranqüilo.

Agora podia sentir o verdadeiro gosto do sangue. Dessa vez não era tão saboroso assim. A garota desceu do carro em um desespero sem igual. Chorava e, apesar do choro, conseguia manter a sua incompreensível beleza. Não podia acreditar no que meus olhos viam. Era única. Nunca havia visto nada assim tão lindo. Ela me abraçou olhando para o sangue que escorria em meu rosto. A adversidade da situação fez com aquele fosse o abraço mais sincero que já pude receber.

Sentia frio, mas estava feliz por poder estar junto dela ao menos uma vez. A dor, curiosamente, nunca chegou. Suas lágrimas pingavam em meu rosto. Agradeci pelo gesto. Sacrifiquei-me para pensar em algo bom a dizer, mas aquele não era mesmo um bom momento para ser tentar uma cantada. Os seus olhos brilharam mais uma vez. Aos poucos fui perdendo um a um os meus sentidos. Ouvir? A audição era apenas uma leve lembrança. Parei um minuto para pensar e desejei que tudo tivesse sido diferente. Queria tê-la conhecido em outra situação. Foi um enorme desperdício. Era extremamente difícil me mexer, mas consegui segurar suas pequenas mãos de fada. Aos poucos, fui fechando os olhos para nunca mais abri-los.

Um comentário:

Carlos Gouveia disse...

Animal, velho! Animal!!